Carta aberta exige libertação de membros da companhia palestiniana Freedom Theater

No passado dia 13 o exército israelita atacou as instalações da mais internacional das companhias teatrais palestinianas, o Freedom Theatre, e aprisionou três dos seus membros. Dois continuam detidos.

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O director artístico Ahmed Tobasi, um dos detidos, terá sido espancado e interrogado sob ameaça de arma Alexandra Lucas Coelho

A veterana dramaturga Caryl Churchill, a directora do prestigiado Royal Court Theatre, Vicky Featherstone, e o encenador e argumentista Dominic Cooke estão entre os mais de mil signatários de uma carta aberta, posta a correr no Reino Unido, que exige a libertação de dois membros do Freedom Theater, uma companhia de teatro sediada em Jenin, na Cisjordânia. Foram detidos na sequência dos ataques israelitas àquele campo de refugiados palestiniano no dia 13 de Dezembro, que visaram também o edifício do teatro e destruíram parte das suas instalações.

“Na quarta-feira, 13 de Dezembro, soldados israelitas atacaram o Freedom Theater em Jenin, disparando sobre o edifício, destruindo gabinetes e agredindo o seu pessoal. O director artístico Ahmed Tobasi, o produtor Mustafa Sheta e o diplomado em Teatro Jamal Abu Joas foram levados das suas casas e detidos. Jamal foi severamente agredido”, denuncia a carta aberta, subscrita também, por exemplo, pela actriz Maxine Peake, e que foi igualmente posta a correr em França, na África do Sul, na Alemanha, nos Estados Unidos, no México, em Itália, na Suécia e na Bélgica.

Fundado em 2006 pelo actor e encenador Juliano Mer-Khamis, filho de mãe judia israelita e pai cristão palestiniano, e que viria a ser assassinado em 2011, aos 52 anos, à porta do teatro, filho de 11 meses nos braços, por encapuzados nunca identificados, o Freedom Theater é a mais internacional das companhias teatrais palestinianas. Na Cisjordânia ocupada, oferece aos jovens a possibilidade de encontrar um rumo e de procurar soluções para um quotidiano traumático, quer através das suas produções, quer através da sua escola.

“Acreditamos que a terceira intifada será cultural, com poesia, música, teatro, câmaras”, dizia Juliano Mer-Khamis. A existência da companhia é, em si mesma, um acto de resistência, uma existência incómoda tanto para o Estado israelita, quanto para os extremistas do campo palestiniano que preconizam a luta pela libertação como um amontoar de jovens mártires.

Antes da morte de Juliano, o teatro fora já alvo de duas tentativas de incêndio. E em 2012, quando o PÚBLICO visitou Jenin em reportagem, antecipando a vinda do Freedom Theatre para uma co-produção com Guimarães, então Capital Europeia da Cultura (a companhia regressou a Portugal em 2016, para uma carreira de espectáculos de um mês), o seu director artístico, Nabil Al-Raee, casado com a actriz portuguesa Micaela Miranda, também ela membro do Freedom, foi detido por soldados israelitas encapuzados numa incursão a sua casa, de madrugada. Uma acção ilegal à luz do direito internacional, mas comum no território. Permaneceu incomunicável no centro de detenção de Jamaleh por “suspeita de envolvimento em actividade ilegal” e só seria libertado um mês depois.

Assim foram agora levados também Ahmed Tobasi (entretanto libertado no dia seguinte, depois de, segundo veiculado pelo Freedom Theater, ter sido espancado e interrogado, à noite, num campo, sob a ameaça de uma arma), Mustapha Sheta e Jamal Abu Joas. Estes dois continuam sob detenção, tal como cerca de cem habitantes de Jenin levados pelo exército israelita durante os três dias (12 a 14 de Dezembro) de intervenção no terreno.

À destruição da infra-estrutura do teatro e à prisão de elementos da equipa juntam-se as perdas irreparáveis. A carta aberta informa que três membros do Freedom Theatre perderam a vida nas últimas semanas, vítimas dos ataques israelitas: Yamen Jarrar, 17 anos, Jehad Naghinyeh, 26 anos, e Mohammed Matahan, 30 anos — nomes que se juntam aos do poeta e escritor Refaat Alareer, que morreu juntamente com vários membros da sua família num ataque aéreo na Faixa de Gaza, ou da artista visual e professora Heba Zaqout, que perdeu a vida da mesma forma, juntamente com as suas duas filhas. Uns e outros estão entre as 20 mil vítimas palestinianas que resultaram já da intervenção militar israelita em Gaza, em retaliação pelo ataque terrorista do Hamas que, a 7 de Outubro, vitimou 1200 israelitas.

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Ahmed Tobasi junto ao Freedom Theatre após o ataque israelita de 13 de Dezembro FREEDOM THEATRE

Os signatários da carta aberta definem o Freedom Theater como “um farol de esperança e resiliência face a uma adversidade inconcebível”, ao qual deve ser assegurado o “direito de realizar o seu trabalho sem receio de violência ou perseguição”. E exortam os governos dos seus países a exigirem, no contexto do actual conflito, a libertação imediata de Mustafa Sheta, de Jamal Abu Joas e de todos os cidadãos de Jenin detidos a 13 de Dezembro, o fim dos ataques a espaços culturais palestinianos, um cessar-fogo imediato e permanente, o fim da ocupação de Gaza e da expansão de colonatos na Cisjordânia, e o legítimo regresso dos refugiados palestinianos de primeira geração e dos seus descendentes.

A “luta por liberdade para os palestinianos” é, dizem, a luta por uma “libertação colectiva”: “Recusamo-nos a colocar uma comunidade contra a outra e opomo-nos firmemente a todas as formas de racismo, incluindo a islamofobia e o anti-semitismo.”

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