COP28: entre brechas e flores que murcham

Desilusão. Raiva. Luto. Solidariedade. Comunidade. Luta. A COP28 terminou e o seu resultado final é, como esperado, insuficiente.

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Megafone P3: COP28: entre brechas e flores que murcham Reuters/AMR ALFIKY
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Ao longo de duas semanas, andámos numa montanha-russa: foram muitas as horas de negociações e reuniões, foram muitos os protestos, foram muitas as emoções e as incertezas. A verdadeira liderança esteve no movimento, na sociedade civil, nos representantes indígenas, nos representantes das ilhas do Pacífico.

Trabalhámos noite e dia, seguimos as negociações, propusemos alterações ao texto, organizamos protestos, enviámos comunicados de imprensa, continuámos a lutar mesmo de coração cada vez mais partido pelo que ali testemunhávamos.

Por fim, sentamo-nos na sala enquanto era aprovado o texto final do GST que, pela primeira vez, menciona "transição para o abandono dos combustíveis fósseis" — o que nos está a ser vendido como uma “vitória histórica”. Mas como?

É verdade que o apelo a que os países façam uma transição energética para se distanciar dos fósseis é inédito —, mas não é de um apelo que precisamos. Precisamos da eliminação total, justa, financiada e equitativa dos combustíveis fósseis. Precisamos que haja um compromisso claro e vinculativo.

É tão simples quanto isto. O texto acordado está repleto de brechas, de soluções falsas, de palavras vazias. Um texto como este, que deixa de parte as comunidades mais vulneráveis à crise climática, é um texto sem justiça. É como se estivéssemos a assinar as nossas próprias certidões de óbito. E é um insulto para todos aqueles que ali foram lutar pela sua sobrevivência.

No início da COP escrevi que tudo apontava para que o número de delegados associados à indústria fóssil aumentasse exponencialmente este ano. A previsão acabou por revelar-se um eufemismo da realidade.

Houve pelo menos 2456 lobistas de combustíveis fósseis com acesso à COP28 — o que significa uma presença sem precedentes desta indústria e de representantes de alguns dos maiores poluidores do mundo. Mais do que o total de delegados dos dez países mais afectados pela crise climática; pelo menos sete vezes mais do que o total de representantes indígenas; e mais do que a delegação total de quase qualquer país.

Apenas 24 horas depois do fim da COP, já eram várias as notícias de expansão da indústria fóssil pelo mundo fora. Nas palavras de Brianna Fruean, de Samoa: “Enquanto nós estamos devastados com estes resultados, há quem os celebre — os mais de 2000 lobistas. A nós, são-nos dadas migalhas para celebrar, mas é como pedir-nos para celebrar flores que serão colocadas nas nossas sepulturas. Como é que podemos fazer isso?”

Logo no primeiro dia da Cimeira foi anunciada a operacionalização do fundo de financiamento de Perdas e Danos, cuja criação foi decidida no ano passado. Este fundo, destinado a apoiar os países mais afectados pela crise climática — que são, em simultâneo, aqueles que menos contribuíram historicamente — estava a ser exigido há 30 anos.

O fundo tem neste momento um total de 792 milhões de dólares, prometidos por vários países. Colocando em perspectiva, este valor representa 0,4% dos lucros das maiores petrolíferas. Ora, para este fundo ser eficiente, a escala tem de estar nos milhares de milhões. Isto não chega.

Foram muitas as histórias que ouvimos em primeira mão sobre os impactos da crise climática. Fora das negociações, foram muitas as vozes que se ergueram, dando caras e corpos àquilo que por vezes é feito passar meramente por números e projecções. Direitos humanos, financiamento, energia, género, transição justa — foram apenas alguns dos temas pelos quais nos fizemos ouvir.

Falta humanidade aos parágrafos que são discutidos nestes espaços; são palavras cada vez mais desapegadas da vida, vida essa pela qual continuamos a lutar. Por trás de cada acção estão horas de trabalho, de organização, de mobilização. Somos uma comunidade.

Sentimos a dor uns dos outros e transformamo-la em poder e em solidariedade. No final, não é o resultado da COP que escreve o futuro. Somos nós. A verdadeira força está fora das negociações. Está no movimento por justiça climática. Está em mudar o sistema, em colocar as pessoas acima do lucro. Em escolher a vida.

Repetindo a forma como terminei no ano passado a minha reflexão sobre a COP27, “we are not yet defeated, and we will never be” (ainda não fomos derrotados, e nunca seremos).

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