A primeira semana de Milei: choque económico e promessa de repressão
As primeiras medidas económicas do novo Governo causaram uma subida imediata dos preços. Proposta para limitar protestos preocupa a ONU.
A primeira semana da presidência de Javier Milei – o economista ultraliberal que prometeu um corte radical com o sistema político e económico em vigor na Argentina nas últimas décadas – permitiu antever como poderá ser o futuro do país sul-americano durante o seu mandato. Ao tratamento de choque que Milei considera indispensável para curar os males da economia nacional junta-se um controlo rígido das ruas, que preocupa a ONU.
Sem perder muito tempo, Milei divulgou logo nos primeiros dias as primeiras medidas de natureza económica que pretende aplicar para contrariar a inflação galopante que assola a Argentina. O seu ministro da Economia, Luis Caputo, anunciou uma desvalorização do peso em 50% face ao dólar, a suspensão da generalidade dos investimentos públicos, a redução de apoios sociais para os transportes e energia, cortes no número de funcionários públicos e ainda a promessa de subida de impostos.
O objectivo da terapia de choque de Milei, que não surpreende quem o escutava durante a campanha presidencial, é controlar o mais rapidamente possível a inflação que atingiu 150% face ao ano passado e diminuir a dívida pública.
As primeiras medidas de austeridade do novo Governo argentino tiveram um efeito quase imediato na vida dos argentinos. Os mercados reagiram com tranquilidade, optimistas com as promessas de equilíbrio orçamental. Mas os cidadãos acordaram a meio da semana para uma explosão no preço da carne, das tarifas de transportes, dos combustíveis e dos bilhetes de avião, segundo o El País. Ao longo dos últimos dias, chegou a haver lojas em Buenos Aires que não fixavam os preços à espera de novas subidas.
Milei prometeu a subida de alguns apoios sociais aos mais carenciados, mas há um receio generalizado de que a fatia de argentinos abaixo da linha da pobreza – cerca de 40% actualmente – aumente nos próximos tempos. “As perspectivas para a economia real são más”, dizia ao El País o economista Leandro Mora Alfonsín.
As medidas de austeridade deixaram os sindicatos e os movimentos sindicais em alvoroço, que encheram de críticas o novo Governo. A Central Geral de Trabalhadores, a maior central sindical da Argentina, reuniu-se de urgência durante a semana e avisou Milei que “não ficará de braços cruzados”. Já há apelos a uma greve geral e está marcada uma concentração popular na Praça de Maio para dia 20.
Leis anti-protestos
No entanto, antecipando uma potencial resposta popular nas ruas das cidades argentinas contra as medidas económicas, o Governo de Milei também anunciou, quase em simultâneo, um novo protocolo para lidar com as manifestações.
A ministra da Segurança, Patricia Bullrich, candidata presidencial derrotada na primeira volta, divulgou novas regras que permitem uma repressão mais dura de protestos que bloqueiem vias de circulação. “Vamos pôr o país em ordem para que as pessoas possam viver em paz. As ruas não se tomam”, afirmou Bullrich durante a apresentação das medidas.
O Governo passa a poder mobilizar as forças policiais sem necessidade de uma decisão judicial para reprimir todos os protestos em que haja o bloqueio de uma via pública, mesmo que de forma pacífica. Embora sublinhe que as polícias vão recorrer a “armas não letais”, Bullrich afirmou que o uso da força será “ajustado em proporção à resistência oposta”.
O Ministério da Segurança irá também criar “um registo das organizações que participem” nos protestos e deixa em aberto a possibilidade de pedir indemnizações aos promotores das manifestações para suportar “o custo dos operacionais mobilizados para travar os actos ilegítimos”.
As medidas para aumentar a repressão das manifestações estão a causar preocupação dentro e fora da Argentina. A Associação de Magistrados do país avisou que “o direito ao protesto deve ser considerado a regra geral e os seus limites a excepção”. A Associação das Mães da Praça de Maio, uma das organizações sociais mais respeitadas na Argentina, disse que o pacote apresentado por Bullrich é “violento, inconstitucional e fascista”.
As preocupações com as limitações aos protestos na Argentina foram partilhadas pelo relator especial da ONU para os Direitos à Liberdade de Reunião Pacífica e de Associação, Cément Nyaletoussi Voule. “Estou a receber relatos muito preocupantes sobre um anúncio presidencial que criminaliza os protestos pacíficos e outorga poder ilimitado às forças da ordem para o uso da força. Silenciar as vozes dissidentes não é a resposta para resolver crises sociais”, afirmou.