Passavam poucos minutos das 11h de 13 de Dezembro, na hora local do Dubai, quando se voltou a pedir aos delegados dos 197 países presentes na COP28 que se sentassem nos seus lugares na sala Al Hairat para começar imediatamente a sessão plenária. Menos de quatro horas antes, tinha sido finalmente publicada a nova versão do balanço global (global stocktake) da aplicação do Acordo de Paris, o documento mais aguardado desta cimeira do clima das Nações Unidas. Às 11h13, depois de Sultan Al Jaber dizer "não havendo objecções, está decidido" e bater o martelo sem esperar por mais, o comentário no grupo das jornalistas portuguesas no WhatsApp resumia a surpresa: "That’s it? O pessoal está confuso."
Penso que ninguém sabia ao certo o que esperar desta COP de contradições. Uma cimeira presidida pelo "petro-Estado" dos Emirados Árabes Unidos, liderada por um patrão do petróleo, numa altura em que finalmente se reconhece a urgência de um acordo para o fim dos combustíveis fósseis, mas também se tornaram mais visíveis as pressões para que isso não aconteça (mesmo que isso nos custe o planeta como o conhecemos). No final da primeira semana da cimeira, as negociações técnicas tinham deixado várias pontas soltas para serem resolvidas na fase diplomática. As únicas certezas pareciam ser o fundo de perdas e danos, aprovado no primeiro dia da COP28 (se bem que sem garantia de financiamento), e a proposta de triplicar a produção de renováveis. Já o primeiro rascunho lançado pela presidência de Sultan Al Jaber, na segunda-feira à tarde, tinha sido fortemente criticado pelas contradições do texto.
Na quarta-feira cedinho, quando o segundo texto saiu no site da UNFCCC e o PDF começou a circular nos chats, ninguém apostaria que a aprovação seria tão rápida. Por um lado, apesar da franca melhoria face ao primeiro draft, a nova versão ainda apresentava várias insuficiências, como falar em "transição" em vez de "eliminação" dos combustíveis fósseis ou deixar por resolver várias questões relacionadas com a adaptação e as necessidades de financiamento dos países menos desenvolvidos (que gostavam de ver os mais ricos, e que mais emitem, a assumir a responsabilidade). Por outro lado, havia quem duvidasse que países como a Arábia Saudita ou mesmo países com poucos recursos para fazer a transição energética aprovassem a linguagem escolhida.
Mas não. Sultan Al Jaber, que tinha planeado chegar a um acordo até às 11h do dia 12 de Dezembro, conseguiu encerrar a "sua" cimeira cerca de 24 horas depois, declarando que o consenso tinha sido alcançado (aos poucos saberemos exactamente como), dando uma martelada sobre a decisão tomada e abrindo só depois espaço às intervenções dos países. Não sem antes voltar a dizer que "juntos vamos seguir a nossa estrela guia" — o limite de 1,5ºC no aumento da temperatura média global — do Dubai até Baku (no Azerbaijão, onde acontecerá a COP29) e de Baku até Belém, no Brasil, para a COP30.
É claro que o processo não tinha sido perfeito: Anne Rasmussen, ministra dos recursos naturais e ambiente de Samoa, tomou a palavra para lamentar que a sessão tenha começado sem todos os países presentes e alertou que o acordo trazia "um avanço incremental em relação ao que é habitual, quando o que realmente precisamos é de uma mudança exponencial nas nossas acções e no nosso apoio". A ministra do meio ambiente do Brasil, Marina da Silva, considerou que o novo acordo aponta um caminho para o fim da utilização dos combustíveis fósseis que constituem uma "responsabilidade comum", mas sublinhou que "os países desenvolvidos devem assumir essa liderança".
Quando é necessário reunir as vontades de quase 200 países, é natural que os resultados saibam a pouco. Mas esta também foi uma COP de entusiasmo, onde finalmente se reconheceu o elefante na sala: os combustíveis fósseis foram finalmente colocados sob pressão. A presidência brasileira da COP30, que já começa a ser preparada, traz também esperança de mais ambição climática (apesar dos sinais contraditórios que o Brasil tem dado). Até lá, é necessário que em cada país os governos sejam cobrados a agir em consonância com estes resultados. O início do fim dos combustíveis fósseis, como foi declarado por muitos, só se poderá concretizar com o esforço de todas as partes.
O PÚBLICO viajou a convite da Fundação Oceano Azul