Greta Gerwig, uma presidente cor-de-rosa do júri de Cannes 2024

Uma “heroína dos tempos modernos”, uma desafiadora dos limites de uma indústria e de uma época: eis a presidente do júri de Cannes no perfil desenhado pelo festival.

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Ben Rayner
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Foi à mulher que em 2023 "bateu todos os recordes com o seu filme Barbie", a realizadora/argumentista/actriz norte-americana Greta Gerwig, que a direcção do festival de Cannes endereçou convite para presidir ao júri da competição da 77.ª edição, que se realizará de 14 a 25 de Maio de 2024. Greta Gerwig aceitou e a declaração que faz à imprensa é a prova do seu fervor.

"Gosto profundamente de filmes. Gosto de os fazer, gosto de os ver, gosto de falar deles durante horas. Como cinéfila, Cannes sempre foi para mim o auge do que pode representar a linguagem universal dos filmes. Colocarmo-nos num estado de vulnerabilidade, ocuparmos um lugar numa sala escura repleta de desconhecidos para vermos um filme novo, é isso que prefiro. Estou emocionada, entusiasmada e inundada de humildade por ser a Presidente do Júri do Festival de Cannes. Mal posso esperar por descobrir as viagens que nos esperam".

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Barbie, de Greta Gerwig

Barbie tornou-a uma "heroína dos tempos modernos" agora é o entusiasmo da direcção do Festival de Cannes a falar porque "desafia os limites de uma indústria codificada e de uma época". Os que endereçaram o convite tomam dessa forma posição perante o filme cor-de-rosa, sobre o qual se poderia argumentar, e houve quem o tivesse feito, que se tratou menos de uma provocação do sistema do que uma colaboração com ele. Porque não se pode permanecer só cor-de-rosa ao gerir o caderno de encargos de uma empresa de brinquedos, a Mattel, que se quer tornar produtora de conteúdos, e do sistema de estúdios que desenhou um programa de blockbusters e simultaneamente reivindicar univocamente a filiação na tradição de "autoria independente".

Indesmentível é que "em menos de quinze anos, Greta Gerwig impôs o seu nome no cinema americano e internacional", o que passou a cifra de "fenómeno" "a primeira realizadora na história do cinema a ultrapassar o milhar de milhão de dólares em receita de bilheteira". Gerwig, nascida em Sacramento, Califórnia, e, por adopção, nova-iorquina, teve uma "ascensão fulgurante": de mentora do cinema independente americano nos seus inícios como actriz — ou pelo menos, porque a modéstia é melhor conselheira, de musa do seu marido, o cineasta Noah Baumbach — chegou ao cume do box office mundial.

Voltando à classificação de heroína dos tempos modernos: Greta Gerwig teria conseguido juntar o que seria inconciliável, dizem Iris Knobloch, presidente do festival, e Tierry Frémaux, delegado-geral, ao definir com Barbie o mundo do blockubuster de autor, ao "aproximar a arte da indústria", ao "interrogar com subtileza e complexidade as problemáticas contemporâneas", ao "afirmar ambições artísticas exigentes no seio de um sistema económico sobre o qual ela investe para dele melhor se servir". Isto é a descrição (demasiado cor-de-rosa?) de uma pasionaria de Hollywood e arredores.

Com este convite e com o seu "reinado" em Cannes 2024, Greta torna-se a primeira cineasta americana com o papel de presidente do júri; a mais jovem personalidade a ocupar o cargo (tem 40 anos) depois de Sophia Loren, que na edição de 1966 tinha então 31; a segunda realizadora a fazê-lo, depois da neo-zelandesa Jane Campion em 2014; a segunda americana depois da actriz Olivia de Havilland, que foi a primeira mulher presidente do júri, em 1965, a... enfim, a continuar por este caminho torna-se ensurdecedor e sobrepõem-se os fenómenos aos filmes.

Por exemplo, facto simultaneamente mais prosaico e mais excepcional, Greta Gerwig como realizadora é autora de Mulherzinhas (2019), adaptação do clássico de 1868 de Louisa May Alcott, que, esse sim, o seu grande filme, constitui um questionamento subtil, através do filme de época, através do filtro do "filme de estúdio", da independência da mulher no mundo de homens. Por arrastamento, é um retrato de si própria, cineasta, mulher, americana. Mas em 2019, que se saiba, não foi convidada para o júri de Cannes. Em 2023, sim, Barbie, o filme com mais nomeações para os Globos de Ouro, nove, colocou Greta Gerwig no Zeitgeist.

Em defesa, se isso fosse necessário, da sua dama, Cannes dixit também numa conclusão que pouco dissimula o auto-elogio: "Esta escolha é uma evidência porque Greta Gerwig incarna audaciosamente a renovação do cinema mundial de que o Festival de Cannes é, a cada ano, o precursor e a caixa-de-ressonância. Para além da Sétima Arte, ela aparece também como a representante de uma época que abole as fronteiras e mistura os géneros para fazer triunfar a inteligência e o humanismo".

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