O regresso dos vencidos do catolicismo

José Tolentino Mendonça tem um raro poder de comunicação e compreendeu bem a linguagem do nosso tempo e as suas inquietações.

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Houve um tempo em que um escol de católicos que hoje podemos assinalar nas melhores páginas de história da cultura portuguesa, se espalhava pelos domínios da arte, da literatura, dos vários ramos da ciência, da filosofia, do pensamento político – e até da teologia. Carregando o peso da culpa, da ligação ao regime deposto em 1974, do poder e do domínio, “os vencidos do catolicismo” (como escrevia Ruy Belo, um dos nossos irrepetíveis poetas) ficaram fora de moda e sem representação.

O que ficou de mais visível oscila entre a arquitetura de Fátima, tão feia como funesta, a degradação da beleza de outrora – e a ação missionária, a elogiar. É nesse ambiente carregado de exílios internos e de abandono do catolicismo, que a figura de José Tolentino Mendonça emerge como uma exceção, a par de alguns nomes ignorados pelos média e pela opinião pública (mas que continuam lá, como uma nova geração que aguarda o momento de se mostrar).

Tolentino é poeta, tradutor, teólogo, com um raro poder de comunicação e que compreendeu bem a linguagem do nosso tempo e as suas inquietações. Depois de a cúria romana, ou seja, o Papa, o ter escolhido para coordenar os “exercícios espirituais” da Cúria romana de 2018, havia um caminho aberto para uma espécie de catolicismo arrastado por uma tempestade espiritual, de que resulta o livro Elogio da Sede, que é bem o resumo do que pode ser uma espiritualidade católica para os tempos da crise atual, juntamente com Rezar de Olhos Abertos ou O Pequeno Caminho das Grandes Perguntas.

A ideia que está em todos os textos de Tolentino como homem católico é a de facilitar o “diálogo Igreja-Cultura”, como tinha determinado João Paulo II. Com isso, um diálogo com as políticas culturais dos governos e com as instituições culturais, universitárias e científicas da Igreja, entre muitas outras pontes. Talvez a igreja tenha encontrado uma voz que consegue dar voz às inquietações presentes daquele documento intitulado Onde está o teu Deus? (de 2004), e onde se enumeravam os sinais da crise da fé e da religiosidade. A tarefa de José Tolentino de Mendonça é das mais difíceis no momento atual da Igreja Católica, porque não se restringe apenas à sua “comunidade interna” – mas também à invenção de uma linguagem para comunicar com crentes e descrentes. Talvez só um poeta possa fazê-lo. Não é por acaso que o seu novo livro, Metamorfose Necessária, seja uma proposta de releitura de São Paulo, o grande criador e comunicador do cristianismo.

Há muito tempo que “os vencidos do catolicismo” não tinham uma voz que os viesse pedir de volta. E agora têm.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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