Pedro Nuno Santos: devolução de tempo de serviço a professores pode demorar mais do que quatro anos
O candidato à liderança do PS admite avançar com a decisão do novo aeroporto sem o PSD, quer “completar destroikização” do país e critica fundo Medina.
Em entrevista ao PÚBLICO-Renascença, Pedro Nuno Santos, ex-ministro das Infraestruturas e candidato a líder do PS nas eleições directas de 15 e 16 de Dezembro, coloca prudência na devolução do tempo de serviço congelado aos professores e admite estar “preocupado” com a crise nas instituições e na Presidência com o caso das gémeas de Santa Maria.
Na moção que entregou, não é explícito se está ou não disponível para uma nova "geringonça" no caso de o PS não ter maioria. A solução de "geringonça" é repetível? Em que condições?
Estamos focados em vencer as eleições do dia 10 de Março, e é só nesse cenário que trabalhamos. Depois, consoante a configuração parlamentar que resultar das eleições, faremos esse debate e essa reflexão. Queremos que o PS consiga uma maioria generosa, e é para isso que estamos a trabalhar.
O que é uma maioria generosa?
É termos uma maioria que permita ao PS liderar um governo que ofereça estabilidade ao país.
Não acha que as pessoas ficaram traumatizadas com a maioria absoluta e que agora tão cedo não será muito fácil a qualquer partido obtê-la?
As pessoas não decidem que querem uma maioria absoluta, decidem o seu voto. As pessoas não podem estar nem deixar de estar traumatizadas com a maioria absoluta, é o resultado da vontade expressa do povo.
O PS governou com a "geringonça" e governou com maioria absoluta. Fazendo um balanço dos dois governos, qual é que acha que foi o melhor?
Eu não faço essa partição dos dois governos do Partido Socialista. Há um contínuo.
Pelo que tem defendido, parece que acha que é melhor um governo de "geringonça".
Muitas vezes, aquilo que parece não é. Aquele Governo foi um governo que durou quatro anos, foi um governo que funcionou, que trouxe resultados, tal como os governos que se seguiram em circunstâncias diferentes, perante desafios diferentes, mas com resultados. Há um contínuo. Ao longo destes oito anos, há muitos aspectos em comum, desde logo termos conseguido que Portugal crescesse acima da média europeia.
Na sua moção diz que é de evitar mexer na legislação laboral. Foi por não querer mexer nas leis laborais, e por ser essa uma exigência do Bloco, que houve eleições em 2022. Com isso, não estará a fechar uma porta ao Bloco e ao PCP?
É de evitar grandes transformações na legislação laboral. Não quer dizer que não possamos melhorá-la, e estamos abertos a fazer esse debate. Nos próximos tempos teremos oportunidade de apresentar o programa eleitoral.
A contratação colectiva, que é uma exigência do PCP, por exemplo?
Se for necessário aprimorar os instrumentos que permitam essa negociação sobre acordos colectivos, assim faremos. A contratação colectiva, em particular, permite garantir a paz social que é fundamental para que as empresas possam trabalhar.
Na moção defende também que é preciso valorizar as carreiras, as condições de trabalho, os regimes remuneratórios da função pública e também a recuperação faseada do tempo de serviço congelado. Isto é para toda a função pública e não só para os professores?
Quem tem um problema maior em matéria de congelamento são os professores. É onde a despesa é maior. No que diz respeito a todas as outras carreiras, às que dependem de pontuação, já lhes foram sendo reconhecidos alguns pontos. Quando falamos da necessidade de o Estado português cumprir as regras que estabelece com os seus trabalhadores, obviamente que é com todos.
Em relação aos professores, já tem um modelo desse faseamento na recuperação?
Será alvo de negociação com os trabalhadores e, no quadro daquilo que é o objectivo de política orçamental e de contas públicas.
O modelo apresentado por Luís Montenegro poderia ser um modelo para o PS?
Tem dois erros: não esperou pelo trabalho que a UTAO está a fazer em matéria de cálculo do custo da reposição integral do tempo de serviço dos professores e passa por cima de uma necessária negociação com os sindicatos.
A recuperação será feita numa legislatura?
Temos de ver as contas, estudar o tempo necessário, faseado, para podermos fazer essa recuperação. Não consigo nesta fase estar a dizer que é em três, quatro ou cinco anos.
Não se compromete então que seja possível em quatro anos, numa legislatura?
Neste momento, não consigo assumir esse compromisso.
Esta posição sobre os professores, da forma que está na moção, não é contraditória com aquilo que tem dito em público, nomeadamente na declaração de voto que fez sobre os professores no Orçamento? Nunca tinha relacionado isto desta forma com as restantes carreiras da função pública.
A minha ideia é a de respeito para com todos os trabalhadores do Estado e não apenas para com uma classe em particular. Não há aqui nenhuma contradição. A situação de maior injustiça é no incumprimento das regras de progressão das carreiras dos professores. E esse é um problema que temos de resolver, têm de ser revisitadas todas as outras carreiras para perceber se ainda temos problemas por resolver no que respeita aos outros trabalhadores.
Na moção, defende a redução do IVA. Em quê?
O IVA é o imposto mais injusto socialmente. Mais uma vez, há um conjunto vasto de interesses que têm de ser compatibilizados, desde logo se continuarmos a trajectória de redução da dívida pública, tendo espaço e podendo baixar impostos, fá-lo-emos nos impostos directos.
E a baixa no IRS?
Temos de fazer ainda a avaliação sobre se há, nomeadamente nos rendimentos mais baixos, um aumento de impostos que venha desde o tempo da troika. Um dos nossos objectivos é completar a destroikização do país.
Tem falado muito sobre a redução da dívida. Tem alguma meta pensada?
Temos o objectivo de continuar a reduzir. Quanto mais alta é a dívida pública, maiores são os encargos com a mesma. Quanto maior são os encargos com a dívida, menos margem orçamental temos para investir no país. Aquilo que foi apresentado pelo Governo no Programa de Estabilidade é um bom quadro macroeconómico para seguirmos nos próximos anos. Continuaremos o objectivo que aí estava previsto. Quando defendi que reduzíssemos a dívida pública a um ritmo menos acentuado, o que estava a dizer era que bastava seguirmos a trajectória que estava prevista no Programa de Estabilidade para podermos ter mais margem para investir. O país precisa de espaço orçamental para resolver, também de forma mais rápida, vários dos problemas que tem.
Qual era o valor no Programa de Estabilidade para a dívida?
Agora não tenho aqui o valor, não quero arriscar dar um número errado. Mas não era tão baixo quanto aquilo que está previsto.
Na entrevista que deu ao PÚBLICO/Renascença, José Luís Carneiro defendeu o chamado "Fundo Medina". Vai manter essa ideia que consta do Orçamento do Estado, uma espécie de mealheiro para investimentos futuros, ou é chapa ganha, chapa gasta?
Chapa ganha, chapa gasta não existe. Se tivermos a possibilidade de investir no país, devemos investir. Se quisermos ter uma economia mais forte, capaz de produzir mais, precisamos de investir desde logo na investigação e na ciência. Se o país não tivesse necessidades ao dia de hoje, aquilo que faria sentido fazer era reduzir os impostos. Mas o país tem necessidades prementes, urgentes.
Que vai fazer a essa ideia do fundo?
Se fôssemos um país que conseguisse extrair petróleo, por exemplo, e tivéssemos uma receita cuja economia era incapaz de absorver, o fundo teria mais justificação. Num quadro de uma economia como a nossa, tem menos justificação. Só faz sentido se tivermos margem orçamental para o financiar. E verdadeiramente não temos. Não podemos ter margens orçamentais à custa da perpetuação de vários problemas e, por isso, devemos usá-la para resolver os problemas que temos.
Fernando Medina foi irrealista nesta proposta?
Não. É uma opção legítima. O ministro das Finanças foi alguém com quem eu trabalhei muito bem, foi um bom ministro das Finanças. Conseguia conciliar a capacidade técnica com uma capacidade política muito importante. Tem uma grande experiência política.
O critério número um da privatização da TAP tem sido, até agora, a manutenção do hub de Lisboa. Tem sido céptico em relação a esta exigência. Se chegar a primeiro-ministro, os critérios da privatização vão mudar consigo?
Não sou céptico em relação à exigência propriamente dita. Aquilo que quis dizer foi que o hub não depende necessariamente da privatização, porque qualquer investidor que venha comprar a TAP o faz essencialmente por causa do hub. Agora, afastando-nos da empresa, as prioridades dos próprios grupos de aviação podem alterar-se num prazo mais ou menos longo.
Se o PS for Governo a partir de 10 de Março, tem algum calendário na cabeça para resolver a privatização da TAP?
Ainda não. Não considero que haja pressa de privatizar uma empresa que está saudável, que está pela primeira vez na sua história a dar lucros de forma contínua, com alguma consistência. A TAP hoje não é um problema para o país, antes pelo contrário. Há pressa em resolvermos o problema do aeroporto. Não há pressa na privatização da TAP. O Estado português não está desesperado para vender a empresa.
Tendo em conta que agora a TAP está a dar lucro, será para privatizar ou não?
A abertura do capital da TAP a um grupo de aviação é importante para a própria TAP. Agora, a percentagem a privatizar será depois avaliada no quadro da negociação com potenciais interessados.
Futuramente, se houver negociações para um governo de "geringonça", a TAP será um dos temas a debater? É debatível?
Não estou nesse tempo ainda. Estamos no momento de apresentação das nossas propostas. Vamos a eleições com o nosso programa. Não vamos a eleições dizendo o que é que não queremos ou estamos disponíveis para deixar cair. Isso não se faz. Não é assim que avançamos para uma campanha.
A decisão sobre a localização do novo aeroporto vai ficar para o governo saído das eleições de 10 de Março. A comissão independente indicou como a melhor opção Alcochete. Será a opção de um governo liderado por Pedro Nuno Santos?
Nós queremos ouvir todos os partidos. A decisão deve ser tomada o quanto antes. Não me surpreende a conclusão da comissão técnica independente. O país já tinha estudado cerca de 17 localizações desde 1972, portanto, já todas tinham passado por vários crivos. A conclusão a que já tinham chegado alguns há 15 anos, a que o Ministério das Infra-Estruturas tinha chegado e a conclusão a que a comissão técnica independente chegou dá de facto sustentabilidade às conclusões que entretanto foram apresentadas. A decisão que cheguei a tomar em 2022 é conhecida.
Acha que será possível um acordo com o PSD para a construção do novo aeroporto? O PSD já começou a atacar a credibilidade da comissão e deste trabalho.
O PSD ataca a credibilidade desta comissão técnica independente que foi criada no quadro de uma metodologia na qual participou o PSD. Devemos procurar um entendimento com o PSD, mas, já agora, com os outros partidos políticos também.
Um novo aeroporto não implica acordo entre PS e PSD?
Podemos procurar esse acordo, mas temos de avançar. Já chega. O país, de uma vez por todas, tem de ser capaz de decidir e de avançar. Não pode estar sistematicamente a arrastar os pés. Já chega. Podemos ouvir e procurar consenso, se ele não existir, temos de decidir na mesma.
Se for primeiro-ministro, esta decisão será tomada logo nos primeiros meses da legislatura?
Não há nenhuma razão para adiarmos mais. Já são 50 anos. Cada mês é um atraso injustificado. Não há nenhuma razão para isso. Já tínhamos os estudos todos, agora temos também o relatório da comissão técnica independente, temos mais é que decidir.
“Relação Costa-Marcelo não foi tão boa nos últimos tempos e a culpa é dos dois”
No caso das gémeas que receberam tratamento no Hospital de Santa Maria, acha que o Presidente devia dar mais explicações sobre o que aconteceu ou ficou elucidado com a conferência de imprensa de segunda-feira?
Todos os dias ou todas as semanas vamos tendo novas informações sobre o caso, o que recomenda cautela naquilo que diga. Aquilo que me parece importante é preservar e defender a confiança dos cidadãos nas instituições e, desde logo, neste caso em particular, no Serviço Nacional de Saúde.
Não acha que essa confiança está abalada?
É importante que seja garantida. Ao mesmo tempo, espero que isto tudo se resolva, que seja clarificado e que possamos seguir em frente. O Presidente da República pela função, mas também pela pessoa que é, é muito importante para o país. Marcelo Rebelo de Sousa foi alguém que conseguiu recuperar uma proximidade com o cidadão muito importante para a confiança nas instituições. Fala-se em Presidente dos afectos como se fosse uma coisa menor, mas Marcelo Rebelo de Sousa conseguiu construir uma relação com o povo português que é um património importante da nossa democracia. Essa foi uma vitória e é muito relevante. Julgo que devemos continuar mantendo esta confiança no Presidente e tendo uma boa relação com ele. Desejo apenas que este caso não manche, não crie mais dificuldades à própria Presidência da República. Quero manter uma relação de muito respeito e muita consideração com alguém que, não tendo apoiado, respeito muito.
Somar a crise política em torno do Governo a uma crise também em torno do Presidente da República era entrar num pântano institucional?
Eu vivo, como todos os portugueses, com preocupação com o momento que vivemos. A nossa democracia é recente, mas sólida, há confiança dos portugueses nas instituições políticas, e é muito importante que isso se mantenha.
A relação entre António Costa e o Presidente da República prejudicou o ambiente político?
Não, não acho que tenha prejudicado o ambiente político. Foi uma boa relação e foi muito útil ao país. Nos últimos tempos, não foi tão boa, é verdade. E quando não é boa entre o primeiro-ministro e o Presidente, não é bom para o país. Temos de ir aprendendo com a história, com aquilo que vai acontecendo e percebendo bem a importância de uma boa relação entre as duas partes, sendo que a responsabilidade de a relação ser boa é sempre das duas partes, nunca é só de uma. Sabemos que, em todas as dimensões da vida, quando há problemas numa relação, é sempre responsabilidade dos dois.
Quando disse que era importante clarificar o caso das gémeas, seria como? No Ministério Público ou com os intervenientes políticos?
Sim, explicarem exactamente o que aconteceu. As explicações têm sido dadas, mas quanto mais depressa tudo for percebido, mais depressa também terminamos este caso.
Ficou com alguma dúvida sobre o que o PR disse?
Não quero fazer nenhum juízo sobre o caso. Não tenho conhecimento pleno do mesmo e não contribuo em nada dando palpites sobre o caso.
Marcelo Rebelo de Sousa não está com a sua autoridade diminuída por causa deste caso?
Este não é um bom momento para o Presidente da República. Acho que é evidente e que ele próprio reconhece. É importante que [este momento] seja ultrapassado para que o Presidente da República possa estar concentrado naquilo que verdadeiramente interessa ao país e que são as suas funções.
Já dura há mais de um mês.
Já é muito tempo. Provoca desgaste e não é bom, obviamente, para ninguém.
Se houver necessidade de o Parlamento agir fazendo espoletar aquele processo para o Presidente da República ser ouvido judicialmente, não será o PS a carregar nesse gatilho?
Devemos ter todos também alguma calma e não acrescentar problemas a uma situação que já não é fácil, não é boa para ninguém.
António Costa ainda poderá ter uma carreira internacional?
Espero bem que sim. Foi um excelente primeiro-ministro. O reconhecimento internacional que conseguiu ao longo dos anos é evidente para toda a gente, em diferentes famílias políticas. Espero sinceramente que António Costa possa vir a ter um papel importante no futuro, seja em Portugal ou não. É um dos nossos melhores e era importante que não se reformasse da vida política porque perderíamos todos com isso.