Estonteante. Penso que será essa a palavra certa para resumir a minha primeira semana de reportagem na COP28, a cimeira do clima das Nações Unidas que acontece desde 30 de Novembro no Dubai, nos Emirados Árabes Unidos. Os últimos sete dias foram passados a um ritmo acelerado para acompanhar os vários temas abordados, mas marcados também pela dimensão estonteante desta COP - é tudo em grande neste evento que acontece no recinto gigante da Expo City. E nem sempre é a acção climática que sai a ganhar.

"Outrora o núcleo das COP, [as negociações] são agora um segmento." As palavras são de Jennifer Allen, especialista em relações internacionais da Universidade de Cardiff e observadora do Earth Negotiations Bulletin, entidade que acompanha de perto as negociações sobre ambiente e clima. No X (antigo Twitter), a investigadora partilhava uma imagem da Zona Azul, onde apenas podem entrar pessoas com acreditação (negociadores dos governos, convidados da sociedade civil, jornalistas e algumas ONG), mostrando quão desproporcionalmente pequeno é o espaço dedicado às negociações, face às dezenas de pavilhões onde os países se desdobram em painéis e anúncios que, no final das contas, não ficarão registados no texto final. E nem falamos da outra metade do recinto, aberta ao público, onde se localiza a Zona Verde.

Aliás, como me contou Ana Mulio Alvarez, do think tank E3G, algumas das salas de reuniões para os delegados eram tão "pequenas" que não apenas os observadores ficaram de fora, mas até mesmo alguns dos delegados dos países ficaram sem lugar para sentar. Na nossa conversa, sentadas no chão ao lado de uma dessas salas de reuniões, Ana - que, enquanto observadora, tem acesso a algumas dessas reuniões - contou-me como têm sido difíceis os acordos técnicos sobre os temas que realmente são importantes para os países em desenvolvimento, aqueles que não apenas estão a sentir o impacto das alterações climáticas com mais força, mas têm menos recursos para fazer face a esses desafios. Mitigação, adaptação, meios de concretização, financiamento - tudo ficou por resolver no final desta primeira semana.

Da parte de Portugal, durante estes dias, tem sido a secretária de Estado da Energia e Clima, Ana Fontoura Gouveia, o principal ponto de contacto das jornalistas portuguesas para compreender como é que o nosso país está a influenciar o que se passa na COP. A partir da segunda semana, deveremos contar com o ministro do Ambiente e da Acção Climática, Duarte Cordeiro. Apesar de termos um governo demissionário, a verdade é que a posição de Portugal está "atrelada" à da União Europeia, e essa já ficou decidida em Outubro. Ou seja, vamos insistir para aumentar o financiamento para a acção climática e defendemos a eliminação dos combustíveis fósseis, mantendo apenas aqueles que contem com tecnologias de abatimento (compensação) dessas emissões — mas mesmo essas, insiste a UE, "devem ser usadas apenas em casos excepcionais", explica Ana Fontoura Gouveia, referindo-se a um conjunto de sectores conhecidos como "hard to abate".

Isto traz-me, claro, a um dos pontos mais sensíveis desta COP28: será desta que conseguiremos uma promessa para o fim dos combustíveis fósseis? É esta a exigência das organizações ambientalistas, mas, do que se ouve nos bastidores, parece pouco provável. Ainda que Sultan Al Jaber, o polémico presidente desta COP, consiga convencer países como a Arábia Saudita a este "phase out", a verdade é que não está em cima da mesa dos países industrializados abdicar da palavrinha (armadilhada) "unabated", que envolverá tecnologias que ainda não estão desenvolvidas o suficiente.

É verdade, como antecipámos na newsletter da semana passada, que as notícias sobre esta COP28 não têm estado entre as mais lidas do nosso site. Mas desconfio também da narrativa simplista da "fadiga climática", essa ideia de que as pessoas estão cansadas de ler notícias sobre estes assuntos. Afinal, como é suposto as pessoas compreenderem que as alterações climáticas são um dos assuntos com mais impacto nas suas vidas concretas se não vemos essa preocupação reflectida de forma transversal nos anúncios políticos, nas escolhas dos partidos, nas estratégias das empresas?

Os temas de ambiente e clima não se limitam às (más) notícias sobre o estado do planeta: as soluções têm que vir não apenas das recomendações dos cientistas, mas da prática (da verdadeira acção, e não apenas promessas) dos governos, das empresas e de outros actores da sociedade civil. Depois destes dias de atenção mediática, é importante que as medidas aqui propostas sejam integradas (e mostradas) nas soluções apresentadas aos cidadãos - porque os resultados da COP, apesar de tudo, são visíveis, sim, no nosso dia-a-dia.

Depois das difíceis negociações técnicas, a COP28 faz uma pausa esta quinta-feira, preparando-se para a recta final, na qual os ministros dos diversos países convergem ao Dubai para criar pontes que nos levem a um compromisso. Além da questão económica, que é uma das principais chaves para perceber os obstáculos ao entendimento, outra observação importante: esta crise na acção climática é também uma crise de solidariedade. 

Não nos enganemos: o que está a acontecer nos países "lá longe" é apenas um prenúncio do que acontecerá em Portugal, que se encontra num hotspot de alterações climáticas. É possível que, dentro de poucas décadas, as mesmas barreiras que os países desenvolvidos colocam hoje ao apoio a países em desenvolvimento sejam "peanuts" quando as alterações climáticas se sentirem no Norte global com a mesma intensidade esmagadora.

"Pensar global" neste momento é, precisamente, uma forma de agir sobre o nosso "aqui e agora".

O PÚBLICO viajou a convite da Fundação Oceano Azul