Ordem dos advogados denuncia “atentado” de Embaló contra a democracia da Guiné-Bissau
Decreto presidencial de dissolução do Parlamento é uma “flagrante violação da Constituição”, diz ordem. Militares mostram armas que alegadamente iriam ser usadas para golpe de Estado.
A Ordem dos Advogados da Guiné-Bissau não tem dúvidas, o decreto presidencial de Umaro Sissoco Embaló que dissolveu a Assembleia Nacional Popular e fez cair o Governo democraticamente eleito é um “atentado ao normal funcionamento das instituições democráticas”, abre “mais uma crise política e institucional” no país e leva ao “desmoronamento do Estado de direito democrático”.
Em comunicado publicado no seu site e na sua página de Facebook, depois da “prévia audição dos seus órgãos e comissões”, a Ordem manifesta “a sua preocupação e repúdio em relação ao suposto decreto presidencial da dissolução prematura do Parlamento guineense – Assembleia Nacional Popular [ANP] – e consequente queda do Governo constitucional, em flagrante violação da Constituição da República da Guiné-Bissau”.
Os advogados guineenses afirmam que a Carta Magna impede qualquer dissolução da ANP nos primeiros 12 meses a contar da data da eleição legislativa (que foi a 4 de Junho), “ferindo de morte a legitimidade, validade e subsistência do mencionado decreto” em relação à dissolução do Parlamento, uma “instituição democraticamente eleita e constituída na sequência da última eleição legislativa”.
A Ordem dos Advogados guineense, perante “um grave incidente político, institucional e constitucional”, exorta as autoridades judiciais, nomeadamente o Supremo Tribunal de Justiça e Ministério Público, a “assumirem as suas responsabilidades constitucionais e legais de fiscalização do referido decreto presidencial” em “benefício da legalidade, da legitimidade democrática, da segurança jurídica e da paz social”.
O comunicado dos juristas guineenses chega numa altura em que os militares reúnem provas para demonstrar que os incidentes da passada semana foram uma tentativa de golpe de Estado e que isso justifica a tomada de decisão do Presidente em dissolver o Parlamento.
Esta quarta-feira, o chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, o general Biague Na Ntan, apresentou um conjunto de cerca de 200 armas (entre metralhadoras AK-47 e lança-granadas RPG 7), mais munições, granadas de mão, cassetetes e escudos de protecção que, alegadamente iriam ser usadas para levar a cabo o golpe.
As armas teriam sido apreendidas em casa e na aldeia de Victor Tchongo, o comandante da Guarda Nacional, actualmente detido, nas residências de outros elementos da corporação ou deixados para trás na fuga. No entanto, nem a proveniência do arsenal exposto pôde ser comprovada, nem o general ou qualquer autoridade apresentou até agora a ligação entre Tchongo e os possíveis mandantes políticos do ataque que justifique a interrupção da ordem constitucional.
“O plano deles era tomar de assalto o quartel do exército e avançar para a libertação dos detidos do caso 1 de Fevereiro”, disse o general aos jornalistas, citado pela Lusa, antes de perguntar retoricamente: “Isso não é um golpe?”
O general referia-se aos elementos da Guarda Nacional que nas primeiras horas de sexta-feira atacaram as instalações da Polícia Judiciária, onde estavam detidos preventivamente o ministro da Economia e Finanças, Suleimane Seidi, e o secretário de Estado do Tesouro, António Monteiro, e que depois se envolveram em trocas de tiros com a Brigada de Intervenção Rápida.
Quanto aos detidos de 1 de Fevereiro, são cerca de 50 pessoas, militares e civis, que foram levados para a prisão no âmbito da alegada tentativa de golpe de Estado de 1 de Fevereiro.
Entretanto, o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, que não respondeu às perguntas do PÚBLICO sobre a questão, feitas através da sua assessoria na segunda-feira, enviou à Lusa uma curta declaração: “O Presidente da República não esteve, nem falou com o Presidente da República da Guiné-Bissau, Umaro Sissoco Embaló, desde a visita à Guiné-Bissau no passado dia 16 de Novembro de 2023. Tal como o Governo, também não se pronunciou sobre a situação da Guiné-Bissau até agora.”