Presidente eleito argentino escolhe procurador-geral do Tesouro com passado neonazi
Nos anos 1960, Rodolfo Barra, antigo ministro da Justiça, fez parte de um movimento de ideologia neonazi. O caso foi conhecido em 1996 e levou à sua demissão. O ex-juíz chegou a pedir desculpa.
A publicação
O contexto
Mal o Presidente eleito da Argentina, Javier Milei, tinha anunciado o nome de Rodolfo Barra, antigo ministro da Justiça, para futuro procurador-geral do Tesouro (cargo que representa juridicamente os interesses do Estado), e as reacções de contestação já se multiplicavam nas redes sociais.
As reacções inflamadas devem-se ao alegado passado do ex-juiz como membro do Movimento Nacionalista Tacuara, de índole neonazi, durante a sua juventude.
Numa publicação na rede social X (antigo Twitter), o Fórum Argentino Contra o Anti-semitismo manifestou “profunda preocupação” pela escolha de Rodolfo Barra para a posição de procurador-geral do Tesouro. “Consideramos esta eleição como uma afronta directa ao espírito democrático e plural do nosso país. É inadmissível que uma pessoa com antecedentes ligados ao Movimento Nacionalista Tacuara, com tendências próximas do nazismo, seja nomeada para um cargo de tal relevância no nosso país”.
A instituição pede ainda a “reconsideração” da escolha de ex-juiz argentino para o cargo.
Na caixa de comentários sob a fotografia que, alegadamente, mostra Barra a fazer a saudação nazi com outros membros do grupo, há quem questione a autenticidade da imagem. Enquanto um utilizador refere que fotografia parece ter “cerca de oitenta anos”, um outro respondeu-lhe: “Ou feita por IA [inteligência artificial]”. Pergunta um terceiro: “A fotografia é de Agosto de 1962. Barra teria 14 anos. De certeza que é ele?”
Os factos
Para os argentinos, a relação de Rodolfo Barra com Movimentos neonazis não é nova. A 22 de Junho de 1996, a revista argentina Noticias fazia capa com uma reportagem chamada “Herr Ministro” (herr significa senhor em alemão) sobre o passado neonazi de Barra.
No mesmo trabalho, citam uma frase sua que terá estado numa carta enviada à DAIA (Delegação de Associações Israelitas Argentinas) nos anos 1990. Não sendo peremptório, o ex-juiz afirmou: “Se fui nazi, arrependo-me”.
A 1 de Dezembro, depois do anúncio da escolha de Barra, a DAIA publicou nas redes sociais um comunicado em que lembra o pedido de desculpas. “O Dr. Rodolfo Barra, designado procurador-geral do Tesouro da nação pelo Presidente eleito, Javier Milei, apresentou perante a DAIA, na década de 1990, um pedido de desculpas pelas suas horrorosas condutas e manifestações quando era jovem. Fê-lo antes de assumir o cargo de Ministro da Justiça da nação.”
O trabalho da revista Noticias e a reportagem do jornal Página/12, que revelou que, na adolescência, Barra participou no ataque a uma sinagoga, levou, em 1996, a que se demitisse do cargo.
A fotografia divulgada nas redes sociais, na qual Rodolfo Barra faz a saudação nazi, é da autoria do fotógrafo Phillip Harrington e foi tirada, segundo o banco de imagens Alamy, a 20 de Agosto de 1962. Rodolfo Barra tinha 13 anos (completaria 14 em 19 de Dezembro). A mesma foto foi incluída no site do arquivo oficial de Harrington, que é gerido pelo filho do mesmo, Evan Harrington.
Apesar de esta fotografia e da utilizada na capa da Noticias serem ligeiramente distintas (o olhar de Barra, por exemplo, aponta para direcções diferentes), vários outros elementos da fotografia indicam que terão sido tiradas na mesma ocasião. Na mesa, vê-se o mesmo cinzeiro, bandeira e outros objectos, apesar de com ligeiras alterações de disposição. Ao lado direito de Rodolfo Barra, também estão as mesmas pessoas, ainda que em posições diferentes, com, aparentemente (a fotografia a preto e branco não permite distinguir com certeza as suas cores) a mesma roupa.
Vários estudos, como é o caso de Uma historiadora no território das extremas-direitas - Reflexões em torno do trabalho de campo, de Celina Albornoz, da Universidade Nacional de San Martín, Argentina, também referem directamente a “militância juvenil” de Rodolfo Barra.
Veredicto
Rodolfo Barra, o escolhido pelo Presidente eleito argentino, Javier Milei, para ocupar o de procurador-geral do Tesouro esteve, efectivamente, ligado a grupos com ideologias neonazis durante a sua juventude.