Juíza de julgamentos do Capitólio receia “autoritarismo” nos EUA
Beryl Howell, uma juíza que presidiu ao tribunal onde estão a ser julgados apoiantes de Donald Trump, fala num “momento muito preocupante, em que a importância dos factos é desvalorizada ou ignorada”.
A juíza norte-americana Beryl Howell, ex-presidente do tribunal de Washington D.C. onde estão a ser julgados centenas de apoiantes de Donald Trump que invadiram o Capitólio a 6 de Janeiro de 2021, juntou-se a uma crescente lista de personalidades norte-americanas que têm alertado para a possibilidade de os EUA se transformarem num país autoritário.
Num jantar organizado por uma associação de mulheres advogadas, na noite de terça-feira, Howell, de 66 anos, falou com preocupação sobre "o impacto das grandes mentiras" nos vários julgamentos que foi acompanhando de perto até Março de 2023, quando chegou ao fim o seu mandato de sete anos como presidente do tribunal federal da capital dos EUA.
"Estamos a atravessar um momento surpreendente e muito preocupante neste país, em que a importância dos factos é desvalorizada ou mesmo ignorada", disse Howell, citada no site Politico. "É uma situação muito arriscada para a nossa democracia."
Sem nunca se referir ao ex-Presidente dos EUA pelo nome, a juíza citou a ideia central exposta no mais recente livro da historiadora norte-americana Heather Cox Richardson, "Democracy Awakening: Notes on the State of America" ("O Despertar da Democracia: Apontamentos Sobre o Estado da América", numa tradução livre) — a de que os EUA "estão numa encruzilhada, à beira do autoritarismo".
"As grandes mentiras são trampolins para os autoritários", afirmou Howell, citando novamente Richardson.
Mitt Romney
Numa biografia publicada em Outubro, o senador Mitt Romney, do Partido Republicano, mostra-se preocupado com a democracia nos EUA e acusa os seus colegas no Senado de bajularem Trump em público e de o ridicularizarem em privado.
"Há um fenómeno que tem acontecido na História, e que poderá estar relacionado com a testosterona, em que um homem aparece para juntar algumas pessoas à sua volta e começar a oprimir e a dominar os outros”, diz o senador na sua biografia, numa passagem em que recorda uma reflexão que fez depois de ter estudado o mapa das civilizações ao longo da História.
"A experiência da América com a autogovernação está em luta com a natureza humana. O autoritarismo é como a gárgula que está de vigia na catedral, pronta para atacar", avisa Romney.
Sarah Kendzior
A 6 de Janeiro de 2022, por ocasião do primeiro aniversário da invasão do Capitólio, a antropóloga e jornalista norte-americana Sarah Kendzior deu uma entrevista ao PÚBLICO em que afirmava, sem hesitação, que "a autocracia é tão possível nos Estados Unidos como em qualquer lugar".
Estudiosa dos regimes autocráticos nos países da antiga União Soviética, Kendzior foi uma das primeiras vozes a acusarem Donald Trump de ter tendências autoritárias, ainda durante a campanha eleitoral de 2016 — o que lhe valeu acusações de alarmismo.
"Ninguém gosta de ouvir dizer que estamos em perigo — essa é uma experiência que alguém como eu, que estudei o autoritarismo, partilha com especialistas em alterações climáticas ou com epidemiologistas, por exemplo", disse Kendzior ao PÚBLICO, em Janeiro de 2022. "As pessoas querem culpar o mensageiro porque a mensagem é perturbadora."
Rachel Kleinfeld
No Verão de 2022, Rachel Kleinfeld, uma especialista em Democracia e Segurança no instituto Carnegie Endowment, escreveu um artigo onde argumenta que a tensão actual na sociedade norte-americana não vai culminar numa guerra civil, pelo menos no sentido em que o termo é habitualmente usado.
"As guerras civis não acontecem em países ricos e com fortes instituições e estruturas militares, como é o caso dos Estados Unidos, porque seria uma ilusão tentar derrubar um Estado deste tipo. Esta é a boa notícia", disse Kleinfeld.
A má notícia? "Uma porção significativa da nossa população está disposta a apoiar a erosão das instituições e a liderança de um homem-forte", afirmou a investigadora.