O Último Animal: formatado, utilitário, sem ideias nem convicção
Sucedâneo de inúmeros filmes e séries sobre o submundo do crime, O Último Animal, filmado pelo português Leonel Vieira no Brasil, é produto audiovisual anónimo.
É talvez a mais arrepiante palavra que se pode usar hoje para falar de cinema ou de televisão. O “audiovisual”, palavra burocrática que metia no mesmo saco coisas muito diferentes e com destinos e abordagens diferentes, tornou-se, com a necessidade de alimentar canais de cabo e plataformas de streaming, em “conteúdo” — objectos formatados de acordo com fórmulas resolventes que permitam preencher horas de programação.
É isso que é O Último Animal, que o português Leonel Vieira filmou no Brasil em co-produção local: “conteúdo”, sucedâneo de chocolate derivado das coordenadas de Cidade de Deus, Gomorra, Suburra e Narcos nas favelas do Rio de Janeiro, perseguindo uma ideia de produto global para audiências globais. Planos aéreos, câmaras nervosas, tiroteios e perseguições e sangue e sexo e droga; tudo para encher muito o olho enquanto distrai da total inexistência de personagens, narrativa, ideias próprias, como se só a ausência de personalidade garantisse o sucesso internacional.
Como rapidamente se percebe, não há nada por baixo deste fogo-de-vista, que já de si está mais que gasto — Joaquim de Almeida repisa o cliché do padrinho mafioso latino em que os castings internacionais o catalogaram, escolas de samba e tiroteios na favela já foram filmados mil vezes com este mesmo exotismo turístico.
Recorrendo a uma voz-off interminável para tapar as lacunas de uma história da qual apenas se parecem ter guardado os momentos-chave, O Último Animal parece um compacto apressado de minissérie, conteúdo audiovisual para cumprir uma função puramente utilitária, transaccional. Sem pretensões de querer ser mais do que isso, mas também sem a mínima crença no que está a contar.