Senhorios ficam sem compensação e ameaçam levar congelamento de contratos antigos a tribunal
Os proprietários ameaçam contestar, em tribunal, o congelamento definitivo dos contratos de arrendamento antigos, depois de saberem que, afinal, não será criada uma compensação para os senhorios.
Não haverá, afinal, uma compensação financeira para os senhorios de contratos de arrendamento antigos, ao contrário do que foi prometido pelo Governo, que justifica a decisão agora tomada com a actual crise política. A informação é avançada pela Associação Lisbonense de Proprietários (ALP), que admite vir a contestar, em tribunal, a legislação que veio congelar de forma definitiva os contratos de arrendamento anteriores a 1990.
Esta compensação era uma das medidas do Mais Habitação, que ficou em risco com a demissão do Governo, já que carecia de legislação própria para se materializar. Em causa estão as chamadas rendas antigas, ou seja, os contratos de arrendamento anteriores a 1990, cuja transição para o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU) tem permanecido suspensa desde 2012, nos casos em que os inquilinos têm 65 ou mais anos, grau de deficiência igual ou superior a 60%, ou rendimentos inferiores a cinco vezes o salário mínimo. Este ano, contudo, o congelamento destes contratos tornou-se definitivo, depois de o Governo ter decidido que os mesmos não transitariam, em qualquer momento, para o NRAU (pelo que não podem cessar por decisão unilateral do senhorio).
Ao mesmo tempo, o Governo definiu duas contrapartidas. Por um lado, estabeleceu que as rendas destes contratos (que, actualmente, podem ser actualizadas de acordo com limites máximos definidos em função do rendimento anual das famílias) passarão a poder ser actualizadas de acordo com os coeficientes de actualização anuais previstos por lei para a generalidade dos contratos (no próximo ano, a actualização será de 6,94%).
Por outro, decidiu que os senhorios destes contratos de arrendamento antigos seriam compensados pelo seu congelamento, por duas vias: através da isenção de tributação em sede de IRS sobre os rendimentos prediais, bem como em sede de IMI, medida já aprovada no âmbito das votações na especialidade do Orçamento do Estado para 2024; e através de uma compensação monetária. Essa compensação monetária dependeria de um estudo encomendado pelo Governo ao Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU), que foi conhecido na semana passada e onde se apresentaram vários possíveis modelos de compensação, um dos quais estimava que a compensação pudesse atingir os 653 milhões de euros por ano.
A actual crise política, que resultou na demissão do Governo, acaba, por fim, por fazer cair esta compensação. "Os senhorios que suportam rendas congeladas (...) souberam hoje que não terão nenhuma compensação do Estado, nem poderão actualizar estas rendas, em 2024, para lá do coeficiente da inflação, depois de um compasso de espera de onze anos e de garantias expressas que tinham sido dadas pelo Governo e pela tutela da Habitação", pode ler-se no comunicado enviado às redacções pela ALP, que detalha que a informação foi avançada pela ministra da Habitação, Marina Gonçalves, no âmbito de uma reunião do Conselho Nacional de Habitação (CNH). A justificação dada pelo Governo foi "o actual momento político que o país vive".
O PÚBLICO pediu ao Ministério da Habitação que confirmasse a decisão de não avançar com a criação desta compensação financeira, mas não obteve resposta até à publicação deste artigo.
Proprietários contestam
É neste contexto que, agora, os senhorios admitem vir a contestar, em tribunal, o congelamento definitivo dos contratos de arrendamento antigos, argumentando que a própria lei só prevê este congelamento com a criação da tal compensação aos senhorios.
Em causa está a norma do Mais Habitação que determina que os contratos dos inquilinos idosos, com deficiência ou rendimentos abaixo do limite estabelecido "não transitam" para o NRAU. Mas o número seguinte deste mesmo artigo estabelece uma contrapartida para esse congelamento, determinando que, na sequência do relatório do IHRU, "procede-se à definição das medidas fiscais, incluindo isenção de IRS e de IMI, dos montantes e dos limites da compensação a atribuir ao senhorio e da renda a fixar para o arrendatário a aplicar a partir de 2024".
Ora, sem o cumprimento dessa parte da norma, toda ela é colocada em causa, argumentam os proprietários. A intenção é confirmada, ao PÚBLICO, pelo presidente da ALP, Luís Menezes Leitão, que adianta que a associação que lidera está "a pensar" avançar com uma acção em tribunal contra este congelamento dos contratos antigos. "A lei condicionava a não-transição dos contratos para o NRAU à criação de uma compensação, que, afinal, não vai existir", resume o responsável.
A avançar esta contestação, há cerca de 124 mil contratos de arrendamento (aqueles que foram celebrados antes de 1990 e que têm senhorios de natureza privada) que poderão ficar em risco de transitar para o NRAU, com as consequências que daí advêm, desde logo a possibilidade de cessação destes contratos.