A beleza de uma rosa… com espinhos
Ser professora dá-me mundo, porque para transmitir o amor pelo saber, antes de tudo o mais temos de explorar dentro de nós essa vontade de conhecer, encetando viagens reais e imaginárias.
Após uma primeira semana de experiência a dar aulas, uma jovem professora recém-formada confidenciou-me que a profissão é uma rosa muito bonita, mas que essa rosa tem espinhos. Nesse momento, a jovem professora não se referia às agruras da colocação de docentes, aos bloqueios na progressão na carreira, nem às burocracias associadas ao exercício da profissão.
A jovem professora falava apenas da dificuldade que é estar em frente a uma turma, procurando trabalhar um determinado conteúdo, ao mesmo tempo que tem de se gerir muitas outras questões que dificultam a tarefa de ensinar. Contam-se entre estas as interrupções frequentes por parte das crianças, a dificuldade de aguardarem pela sua vez de falar, a falta de atenção e de concentração, o desafio à autoridade do adulto e, ainda, a diferença de ritmos de aprendizagem e de execução das tarefas escolares.
Enfim, a jovem professora falava nos espinhos que, depois de estar no terreno, descobrira na rosa. Mas fez questão de afirmar, com a frescura e o entusiasmo dos princípios: apesar dos espinhos, a rosa é muito bela! Tal como esta professora, num tempo em que se enfatizam tanto os espinhos da rosa, gostaria de me centrar na beleza que a rosa, não obstante os espinhos, continua a ter.
E não, não vou tentar construir um discurso intelectualizado sobre a importância da profissão para a sociedade. Vou apenas escrever de uma forma emocional e emocionada sobre o meu sentir quando estou em frente a uma turma de alunos, envolvendo-me com as crianças, com uma profundidade que ultrapassa o ensino e a aprendizagem, e que acredito contribuir, secreta e misteriosamente, para que as mesmas se concretizem.
É que há uma parte do ensino que supera os objetivos, os conteúdos, as estratégias e as didáticas. E que pode ser tão ou mais importante do que todas as ações mensuráveis. É a parte invisível da relação que se desenvolve entre professores e alunos, a sinergia especial e única que se estabelece sempre em duas direções. Essa parte invisível corresponde à alma e é a parte mais bela da rosa, aquela que não se vê, mas que confere maior intensidade a todas as cores visíveis. É sobre essa parte invisível que pretendo falar.
Ser professora dá-me esperança, porque as crianças naturalmente têm esperança. Quando oiço discursos céticos sobre o futuro da humanidade, costumo dizer que tenho a sorte de partilhar o meu quotidiano com crianças que naturalmente têm esperança, e que essa esperança tem o dom de ser contagiosa.
Ser professora tem frescura, porque permite vivenciar o encanto e o entusiasmo das primeiras vezes. As crianças fazem e aprendem muitas coisas pela primeira vez, experienciando esses momentos iniciáticos com uma intensidade que se torna empolgante para quem os partilha.
Na profissão de professora, o tempo passa muito depressa e nunca tenho tempo para me entediar. É tudo demasiado intenso para dar lugar ao aborrecimento. Aquilo que continua a surpreender-me é a rapidez da passagem do tempo. Ainda há pouco era de manhã e, de repente, já é de tarde. Ainda ontem era segunda-feira e hoje já é sexta!
Ser professora é uma profissão de afetos, porque o sentir é importante para o ato de aprender. A confiança no potencial da criança, incentivando-a a evoluir e apoiando-a nessa caminhada, pode constituir-se como o ingrediente secreto que marca a diferença no percurso escolar e até pessoal do aluno.
Ser professora é comovente, especialmente no momento em que os alunos começam a ler. É inexplicável a realização que se sente quando as crianças acedem ao mundo dos leitores, ao princípio ainda de forma hesitante, que se vai tornado progressivamente mais fluente e segura.
Ser professora desenvolve a criatividade, porque é necessário estar permanentemente à procura de formas de cativar as crianças e de as manter interessadas naquilo que estão a aprender. E a profissão de professora é alegre, porque, apesar de numa sala de aula estarem presentes todos os sentimentos — não só os sentimentos considerados luminosos, mas também os seus contrários —, a alegria acaba por prevalecer e há momentos em que nos divertimos em conjunto.
Ser professora é uma atividade reflexiva, porque leva a pensar naquilo que é verdadeiramente essencial, escolhendo conscientemente os pilares estruturantes do saber. Isto, sem negar a novidade, mas também sem entrar em modas, que muitas vezes não passam disso mesmo, de modas passageiras, prontas a serem ultrapassadas pelas novas modas que se seguem.
Ser professora torna-me mais culta, porque tem de se estar permanentemente a estudar para dar resposta às mil e uma perguntas dos alunos. E, acreditem, quando damos às crianças a possibilidade de darem asas à sua curiosidade, rapidamente nos vemos confrontados com a necessidade de estarmos constantemente a aprender. É sempre um bom pretexto para nos darmos como modelo de seres que aprendem e que gostam de continuar a evoluir no conhecimento.
Ser professora dá-me mundo, porque para transmitir o amor pelo saber, antes de tudo o mais temos de explorar dentro de nós essa vontade de conhecer, encetando viagens reais e imaginárias pelo mundo exterior e interior.
Ser professora é arriscado, quando desistimos de ter tudo planificado ao mais ínfimo pormenor e nos deixamos levar pela mão das crianças, tendo em conta os seus reais interesses, sem negligenciarmos a ponte entre estes e o currículo.
Ser professora é transformador, porque estamos sempre a lidar com imprevistos e situações para as quais temos de encontrar uma resposta. Nessa dialética, nós próprios nos transformamos, saindo sempre diferentes do ato de ensinar. A esperança leva-me a acreditar que para melhor.
A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990