Activistas ocupam ministérios: marcha até ao Ambiente e invasão das Infra-estruturas somam 20 detidos
Mais de 20 jovens foram detidos em acções organizadas pela Greve Climática Estudantil na sexta-feira. O dia prometia uma marcha até ao Ministério do Ambiente, mas os activistas tinham outra surpresa.
O dia era de “visita de estudo”, declarou a Greve Climática Estudantil: esta sexta-feira, estudantes e apoiantes do movimento “Fim ao Fóssil” iriam marchar até ao Ministério do Ambiente e da Acção Climática “com o intuito de o ocupar”. O ponto de encontro: o Largo Camões, na baixa de Lisboa, às 11h. Um pouco a norte da cidade, um grupo de estudantes também se reunia para ocupar um ministério - mas o alvo era outro.
“É possível que encontremos uma linha policial”, avisava uma das activistas às outras estudantes, na reunião final que o Azul acompanhou. Sentados em círculo num jardim perto da Avenida da República, os telemóveis têm que ser desligados ou deixados longe do grupo. A reportagem segue então com papel e caneta. “É inevitável haver repressão”, reconhece a estudante Leonor Penha, porta-voz desta acção, que faz parte da GCE desde o início do Verão. “Se o que fizéssemos fosse inútil, eles apenas ignoravam.”
A estudante de Ciências Ideal Maia, que tem estado na organização das acções da GCE desde o ano passado, explica que o protesto é o culminar de uma “onda de acções pelo fim ao fóssil” que foi anunciada a 14 de Setembro, quando quase duas dezenas de jovens foram detidos por bloquearem a entrada do Conselho de Ministros. Exigem o fim do uso de combustíveis fósseis até 2030 e pedem a transição para a electricidade 100% renovável e acessível até 2025. “Queremos garantir que não damos paz ao governo e às instituições”, assevera a activista. “O objectivo tem sido não dar paz ao Governo até ao último inverno de gás.”
Entretanto, o Governo que tanto criticavam caiu. Muda alguma coisa? “O sistema não muda porque muda o governo”, comenta André Sousa, estudante da faculdade de Letras. “Pode sair quem está na cadeira, mas a cadeira é o problema”. É por isso que, em vez de tinta atirada aos ministros, o alvo dos estudantes são os ministérios. Arte, estudante que tem participado nas acções da GCE desde o ano passado, reforça que “as coisas não podem continuar como estão”. E valerá a pena continuar uma onda de acções que têm tido uma resposta muitas vezes negativa da opinião pública? Se levam a sério a crise climática, é o Governo que tem que mudar de táctica, já que a actual “não está a funcionar”.
O clima é de tensão, com notícias de que a polícia estaria à espreita. “Não sei porque é que estou nervosa, nem sequer vou entrar”, diz Leonor, como que para se acalmar. As instruções são repetidas, para que cada pessoa saiba o que fazer. É hora de partir.
Coreografia nas Infra-estruturas
À hora que decorria a conversa, dezenas de estudantes concentravam-se no Largo Camões, em Lisboa, preparando-se para seguir em direcção ao Ministério do Ambiente para a sua anunciada “visita de estudo”.
Os grupos partiram ao mesmo tempo, pouco depois das 11h30 - mas, enquanto uns marchavam rumo ao ministério tutelado por Duarte Cordeiro, o pequeno grupo do jardim seguiu outro rumo: pouco antes das 12h, 19 destes activistas entravam no edifício do Ministério das Infra-estruturas e da Habitação.
A coreografia já estava ensaiada: sentaram-se no chão do hall de entrada, distribuíram os tubos que levavam em sacolas, prenderam-se uns aos outros, com os braços dentro dos tubos, sem que alguém de fora os conseguisse soltar. Em seguida, a porta do ministério é trancada com correntes e um cadeado, limitando a saída dos trabalhadores do edifício (que também integra o Instituto de Mobilidade e Transportes - IMT).
"Sem futuro não há paz", gritaram os activistas depois de entrarem no edifício do ministério, enquanto uniam os braços uns aos outros. "Ocupa! Bloqueia! Pelo fim ao fóssil", anunciaram em cântico, ao mesmo tempo que a segurança chamava a polícia.
Os agentes da PSP chegaram pouco depois das 12h, mas foi quase duas horas depois que o Corpo de Intervenção da PSP foi chamado para retirar os estudantes - o que aconteceu pouco depois das 15h, quando os 19 jovens foram levados para a esquadra da Penha de França.
Tensão na Rua do Século
Ao mesmo tempo, a polícia estava também ocupada com a manifestação oficialmente agendada e anunciada. O desfile que começou no Largo Camões, onde se concentraram cerca de 50 jovens activistas, prosseguiu com palavras de ordem contra a exploração de energia fóssil, descreveu a agência Lusa no local. A marcha chegou a ser interrompida quando a polícia revistou três manifestantes, aos quais foram apreendidos “engenhos pirotécnicos” e um saco com tintas. Ao subirem a Rua do Século, já próximo ao Ministério Ambiente, os manifestantes libertaram fumos nas cores de vermelho, verde e negro de engenhos semelhantes aos apreendidos pela PSP.
Os estudantes foram recebidos junto ao ministério do Ambiente por um cordão policial, o que gerou momentos de tensão e levou a três detenções, por desobediência, de manifestantes que tentaram derrubar a barreira policial. Por volta das 12h, relata a Lusa, um agente da PSP avisou o comando que se a situação se mantivesse “teria de usar outro tipo de força”. Poucos minutos depois, chegava um núcleo da Equipa de Prevenção e Reacção Imediata (EPRI).
Quando o Azul chegou ao local, já eram cinco os estudantes detidos: os três por crime de desobediência perto do ministério, outro a caminho da esquadra do Bairro Alto por resistência e coacção, depois de, segundo a PSP, ter tentado tirar a arma a um polícia, e ainda uma jovem detida por injúria, depois de ter dito a um grupo que estava a ser revistado “se a polícia vos roubar algo, avisem”.
O confronto com a polícia deixou ainda um ferido: um estudante de 16 anos foi levado para o Hospital Dona Estefânia na sequência de ferimentos na cabeça. O porta-voz da PSP afirma que o estudante acabou ferido "durante a tentativa de transposição do cordão policial".
Cerca das 14h, mais de uma dezena de activistas ainda se encontrava à porta da esquadra do Bairro Alto, com cânticos a pedir a libertação dos manifestantes detidos. Acabaram por sair para se juntarem à “vigília” de estudantes à porta da esquadra da Penha de França, onde foram detidos os 19 activistas que tinham bloqueado o ministério das Infra-estruturas e da Habitação - cenário que se tornou habitual nas últimas duas semanas, em que os estudantes intensificaram as acções “disruptivas” que geraram outras detenções, dentro e fora das faculdades.
As tintas nos ministros
A 13 de Novembro começou uma “onda de acções” em escolas secundárias e universidades pelo “fim ao fóssil”, protagonizada pelo movimento Greve Climática Estudantil. Em comunicado, os estudantes prometiam “parar escolas e instituições” e avisavam que “as instituições e o sistema fóssil não vão ter paz até haver um compromisso com o nosso futuro”. Durante vários dias, houve ocupações, detenções e outras acções.
Antes, os protestos já se tinham feito sentir com grande atenção mediática. A Greve Climática Estudantil é o grupo que está por detrás das duas acções em que ministros foram atingidos com tinta: primeiro Duarte Cordeiro, depois Fernando Medina, ministro das Finanças.
Estas acções foram muito polémicas, gerando críticas de vários actores, incluindo o Presidente da República. “A narrativa polarizou”, resumia Catarina Bio, uma estudante de Direito, sobre o feedback que receberam a propósito dessas acções. “Toda a gente tem uma opinião sobre o assunto. Há mais pessoas explicitamente a favor, e também mais pessoas explicitamente contra”, relata. Por fim, avisava: “Estamos a lutar contra um dos sistemas mais poderosos do mundo. Sabemos que estamos do lado certo da história. Vamos continuar a desobedecer para conseguirmos evitar o colapso climático.”
Já depois das 21h, os estudantes partilhavam a mensagem: "10 dos 24 estudantes detidos hoje por estarem a lutar pelo seu futuro vão ser obrigados a passar a noite na esquadra. O governo e as instituições neste sistema fóssil preferem prender e reprimir estudantes do que lhes garantir um futuro. Lutar pelo clima afinal é crime."