O Alvarinho envelhece bem. Essa e outras descobertas sobre a nobre casta
Numa viagem dedicada ao Alvarinho de Monção e Melgaço, as singularidades que encontrámos em colheitas com mais de 12 anos de diferença entre si são surpreendentes.
Pode parecer exagerado, mas não é. Se as pessoas soubessem do potencial de guarda dos vinhos feitos de Alvarinho, casta emblemática dos Vinhos Verdes, os stocks dos produtores da pequena e nobre sub-região de Monção e Melgaço esgotariam num ápice. Na última segunda-feira, numa prova organizada pelo PÚBLICO e pela Comissão de Viticultura da Região (CVRVV), no hotel The Editory Riverside, dez Alvarinhos proporcionaram uma viagem a 12 ricas e distintas colheitas. Uma surpreendente e sensorial descoberta.
Das nove sub-regiões onde se produz Vinho Verde, é o terroir de Monção e Melgaço que imprime características únicas à Alvarinho, já presente em todo o país e até no estrangeiro. Não é, aliás, um património exclusivamente nosso: a sua origem entre o vale do rio Minho e as encostas em seu redor fez com que a variedade transpusesse a fronteira.
É uma casta ibérica, na verdade, e os vizinhos espanhóis exportam mais do que nós. Mas avancemos mais de um século de história e voltemos à prova. Qual a ordem ideal? A opção de começar no vinho mais antigo e ir explorando os restantes até aos mais jovens fez-se “para não anular as subtilezas dos mais antigos”, sugeriu Manuel Carvalho, timoneiro desta viagem juntamente com o jornalista Edgardo Pacheco. E assim foi.
Primeira lição: é importante perceber o perfil dos produtores mas, no caso dos Alvarinhos, cujos vinhos mais jovens acabam por ser relativamente parecidos, só é possível perceber o que os distingue através dos vinhos mais antigos. E uma nota prévia deixada por Edgardo Pacheco: “O valor que a guarda acrescenta pode ser surpreendente”.
E mergulhamos nas tais surpresas: se seria de esperar de um Vinho Verde (e atenção que falamos sempre da região, não de um tipo de vinho; ali no Minho os vinhos também se fazem de uvas maduras) frescura e aromas frutados, encontramos no Portal do Fidalgo de 2010, da PROVAM, um vinho “cheio de vida e muito gastronómico”, como alguém descreveu durante a prova. Aquele grupo de produtores tem feito experiências para testar a evolução da casta em garrafa, ao longo dos anos.
Para quem não está habituado a Verdes mais estagiados, é surpreendente como podem ser tão agradáveis e vibrantes. Também na Quinta de Santiago se têm feito experiências nesse sentido e o Quinta de Santiago Alvarinho 2012 é um bom exemplo desses ensaios. Ao longo de várias gerações, manteve-se a tradição familiar de produção de vinho mas foi precisamente a partir de 2012 que a aposta na casta se tornou mais evidente quando Joana Santiago decidiu assumir o projecto familiar. Uma questão curiosa, nesta parte da prova: além de bons vinhos, também devemos considerar o que são “boas garrafas”. Abriram-se duas garrafas do Quinta de Santiago e os vinhos eram completamente diferentes um do outro.
Avançámos quatro anos. A magnum de Quinta das Pereirinhas Reserva de Família 2016 revelou-se um vinho exclusivo, não pela sua edição limitada de 1.500 garrafas, mas por ter ficado nove meses em barrica de carvalho francês. Nota-se no aroma e na estrutura deste Alvarinho.
No Valados de Melgaço Grande Reserva 2016 encontrou-se consenso. Um “vinho com alma", “que se mastiga”, com uma “marca de fruta muito presente”, assim o descreveram os presentes. Curioso perceber o quão distintos podem ser os aromas de vinhos que têm a mesma idade. Além do consenso reunido nas apreciações prazerosas sobre o Valados de Melgaço, uma certeza: “um vinho que ainda tem muitos anos para fazer”, como sugeriram os anfitriões. Um bom exemplo do potencial de guarda já referido mas, nesta altura da prova, mais do que confirmado.
O Land Soul Terrunho de 2017 e o Deu-La-Deu de 2018, da Adega de Monção, também foram destacados pelos participantes. No caso deste último, por ser uma referência acessível e que claramente é um bom investimento para quem souber esperar uns anos para o beber.
Os últimos vinhos, marcadamente frutados — característica inerente à sua juventude —, foram o Quintas de Melgaço Vinhas Velhas de 2020, o Casa do Capitão-mor Reserva 2021 (mais seco, mas uma certa garra), o Dom Salvador 2022 e o Soalheiro Alvarinho Clássico 2022.
“Isto é apenas o princípio”, desafiaram os jornalistas que orientaram a prova, que juntou convidados desafiados a descobrir a origem e o potencial de uma casta que é porventura, e a par da tinta Touriga Nacional, a nossa casta mais internacional — só para dar um exemplo: desde 2019, que o Alvarinho está autorizado na região clássica de Bordéus.
Definitivamente, há muito para descobrir nos Alvarinhos. Para os produtores que arriscaram experimentar a evolução dos Verdes, um bem-haja. Além da evidente diversidade, o potencial de guarda é ainda desconhecido para a maior parte das pessoas, mas é a principal lição aprendida nesta aula que se revelou uma autêntica viagem pela sub-região de Monção e Melgaço. Numa próxima, a sugestão de explorar outros Verdes que tenham igualmente envelhecido bem, por exemplo, Arinto ou Loureiro.