Seixal: um roteiro à mesa, de olhos na baía
A Baía do Seixal ganhou nova vida em 2016 e ainda não perdeu o impulso. Ao longo do Tejo descobre-se uma cidade com qualidade de vida e boas moradas de comer e beber para qualquer hora do dia.
Diz-se que a cidade foi baptizada pelos seixos, as pedras que os pescadores utilizavam para fazer o lastro dos barcos. Os hábitos piscatórios ainda marcam presença na baía, mas no Seixal são as actividades náuticas que vão de vento em popa, com embarcações centenárias, outrora encarregadas do transporte entre as margens, que garantem passeios convidativos pelo Tejo.
Em 2016, a zona ribeirinha renasceu, resultado de um projecto ambicioso de reabilitação, onde o trânsito foi reduzido e deu lugar a uma longa via pedonal, com espaços verdes. A Baía do Seixal reinventou-se e as pessoas passaram a habitá-la com outro ânimo, com mais planos e com a leveza de quem se sente bem por ali.
Do centro histórico contempla-se, de um lado, o Moinho de Maré de Corroios, construído em 1403, e o observatório de aves do Sapal, um autêntico museu vivo de biodiversidade. Do outro lado, a vista privilegiada sobre Lisboa encerra a paisagem.
Seguindo em direcção à Ponte da Fraternidade, a praia do concelho, que alberga os veraneantes na época certa, oferece uma boa entrada às esplanadas que a rodeiam. Uns metros adiante, a Fábrica da Mundet, que em tempos foi a maior exportadora mundial de cortiça, é hoje casa de dois espaços de exposição e ateliês, um restaurante, um complexo desportivo e um parque metropolitano. Finda a paragem, ruma-se à Quinta da Fidalga, que além do palacete do século XV, da capela e do lago de maré, apresenta uma colecção de azulejos de várias épocas. Ao longo do caminho, encontram-se murais que fazem parte da montra de arte urbana do concelho, conhecido por ser berço de alguns dos principais artistas urbanos portugueses.
Para acompanhar o passeio, sugerem-se três restaurantes, uma esplanada para tomar brunch sobre o rio, um doce conventual, o balcão certo para pedir um cocktail, a novidade vínica e a mercearia de produtos locais. Estes lugares, já se sabe, contam a história da baía, com o golpe de asa de quem não desiste de se reinventar.
Brunch sem hora marcada
O Letras e Talheres alberga a maior esplanada da baía do Seixal, com cerca de 120 lugares. As mesas junto ao rio atraem grupos de amigos e casais, enquanto a zona ao lado do parque infantil oferece os melhores lugares para pais e avós com miúdos.
Na ementa, o brunch escolhe-se a gosto, com taças de iogurte e fruta, ovos mexidos ou omeletes, torradas, bagels, tostas, panquecas, aqui não falta nada e há opções para todas as vontades. Para beber, há sumos naturais, limonadas de vários sabores, uma ementa de cafetaria bem recheada e, se o plano pedir, seis sangrias de frutas, que já levam o título de “melhor sangria da baía” para alguns seixalenses. A casa é conhecida por respeitar o ritmo descontraído da baía, pelo que serve o brunch a qualquer hora até ao momento de fecho, que está sempre marcado para o pôr-do-sol.
Letras e Talheres
Avenida Dom Nuno Álvares Pereira, 41, Seixal
Tel.: 910727086
Das 09h “ao pôr-do-sol”
A taberna portuguesa moderna
O nome, 100 Peneiras, vem do modo como a cozinha da chef Dina Oliveira opera, de forma honesta e com proximidade a quem entra e se senta para jantar, almoçar ou petiscar durante a tarde. Assume-se como uma taberna portuguesa moderna, onde reina o amor pelo que se faz e o prazer pelo que é tipicamente português. Para planos que pedem refeições mais compostas, aconselham-se os nacos de vitela com camarão-tigre, ou o polvo algarvio à taberneiro. Se o apetite pedir uma mesa partilhada de sabores, abre-se a ementa nas “petisquices”, onde há diversos tipos de pica-paus, choco frito, ou bucha de leitão assado. Há ainda uma vasta opção de migas para provar.
No que aos vinhos diz respeito, o 100 Peneiras assume uma carta recheada, com referências de quase todas as regiões. Da Península de Setúbal marcam presença sobretudo Venâncio da Costa Lima e Herdade do Portocarro, com várias referências. Não são raras as ocasiões em que são organizados jantares vínicos (entre 35 e 45 euros), maioritariamente com vinhos da região e ementas originais de cinco momentos, cada um harmonizado com preceito e o enólogo a fazer as apresentações.
As paredes desta taberna respiram a história da baía. Num dos murais, da autoria de Gonçalo Mar, podem ver-se os seixos que baptizaram o concelho, edifícios emblemáticos como o Moinho de Maré, os flamingos e as garças-reais que habitam o Sapal, entre tantos outros detalhes que carregam a história do Seixal.
100 Peneiras
Rua Paiva Coelho, 127, Seixal
Tel.: 218244321
Das 19h às 23h30; almoços de sexta a domingo, das 12h30 às 15h30. Não encerra
Preço médio: 25 euros
O copo de vinho que faltava
É a mais recente inauguração da baía. José Horta apresenta a casa como quem convida a entrar na sua sala, com um acolhimento impecável. A ideia fermentou durante um ano e os primeiros copos foram servidos este verão.
A Bagos de Mosto é uma garrafeira e uma casa de petiscos que alberga com certa regularidade provas de vinhos e workshops. “Convido pessoas que percebem do assunto, para explicar, a quem se interessa, como lidar com o vinho. Não havia nada disto por aqui, senti que fazia falta um sítio assim.” José abriu o negócio à boleia do gosto pelo vinho e como actividade nos seus tempos livres, e por essa razão o horário, infelizmente, é reduzido.
Entre referências de todo o país, a região da Península de Setúbal marca presença com Adega de Palmela, Quinta de Alcube, Xavier Santana e Quinta do Monte Alegre, incluindo vários moscatéis de Setúbal. A ementa dos petiscos faz-se com enchidos, tibornas, queijo e saladas. Os eventos vínicos carecem de reserva prévia.
Bagos de Mosto
Rua Paiva Coelho, 71, Seixal
Tel.: 910596344
Quinta e sexta das 19h às 23h; sábado das 15h às 23h; domingo das 15h às 19h
O amor proibido que virou doce
A esplanada quase em cima da praia, a vista limpa sobre Lisboa, os gelados de fabrico próprio e os crepes gulosos, tudo isto são razões de peso para fazer uma paragem no Acqua. Como se não estivéssemos já convencidos, há ainda o pastel da fidalga para tirar qualquer dúvida.
Envolvido em massa fina e crocante, o recheio de gemas e açúcar dá-se lindamente com os pedaços de amêndoa triturados, que fazem deste um doce conventual que enche as medidas na dose certa. A receita renasceu pela mão de Dina Oliveira e esconde a história de um amor proibido vivido na Quinta da Fidalga, uns metros adiante, em meados do século XIX. Conta-se que este pastel foi criado por uma das cozinheiras da quinta que, na tentativa de alegrar a fidalga enclausurada e impedida de casar com o homem que amava, inventou este docinho para curar a mágoa.
Acqua
Avenida Dom Nuno Álvares Pereira, 93, Seixal
Tel.: 939555772
Das 13h às 20h. Encerra à terça e à quarta
Produtos locais, biológicos e a granel
A Mercearia Castiça, a três quilómetros da baía, é uma boa paragem para comprar produtos locais. A venda é feita a granel, “como nos tempos dos nossos avós”, diz Tiago Santos, que abriu a casa há seis anos. Aqui tudo é biológico e promovem-se os produtores da região.
O pão é da Gluten Out, marca seixalense gerida por mãe e filha, que, como revela o nome, não tem glúten e é de fermentação natural, com opções de aveia e de batata-doce. O peixe vem directamente da lota de Sesimbra, e a romã e o morango vêm do mesmo município. Já as restantes frutas e legumes vêm de Palmela e arredores. Os doces ficam a cargo da Filipa Severo, que mora a um par de ruas dali, e aposta em confeitaria funcional, sem ingredientes processados.
Há ainda comida natural para animais, uma produção almadense que garante opções originais como as petingas desidratadas ou os bolos de fruta. Como competente mercearia ecológica que é, a Castiça tem detergentes e produtos de saúde e beleza, todos biológicos e vendidos em frascos de vidro ou biodegradáveis.
Mercearia Castiça
Rua Gil Vicente, 10, Seixal
Tel.: 934341876
Das 10h às 19h30; sábado das 09h às 17h30. Encerra ao domingo
A bordo do cacilheiro come-se bem
Ancorado no antigo porto de cortiça, em frente à Fábrica da Mundet, este cacilheiro quase centenário (a contagem vai nos 98 anos) já se reformou do principal ofício que assumiu durante mais de 50 anos: transportar passageiros entre as margens do rio Tejo.
Como restaurante-barco, o Lisboa à Vista serve comida tradicional portuguesa, com um foco especial no bacalhau. Na cozinha, as receitas são confeccionadas no momento, e a ementa acautela isto mesmo. Há polvo na brasa, bacalhau com crosta de broa, caril de gambas. Se o apetite pedir carne, aconselha-se o costeletão de novilho, ou a tábua de porco preto para degustar a dois. Tudo na companhia de um vinho da região – Quinta da Bacalhoa e Brejinho da Costa são opções disponíveis na carta.
Antes que termine a viagem, o último piso deste barco, transformado num rooftop com vista privilegiada sobre a capital, garante o melhor lugar para provar uma das várias bebidas da carta, forte em cocktails e gin.
Lisboa à Vista
Praça 1º de Maio, Seixal
Tel.: 913134711
Das 12h às 15h30 e das 19h às 23h. Encerra domingo ao jantar e à terça-feira
Preço médio: 25 euros
Uma viagem no tempo ou uma volta ao mundo?
Já foi o refeitório da centenária Fábrica da Mundet, em tempos a maior exportadora de cortiça do mundo. Hoje é o restaurante do chef João Macedo, que enverga o ofício de preparar receitas que são uma autêntica volta ao globo. Na cozinha, conta-se com a fusão de sabores de várias latitudes, inspirada por viagens e memórias de infância. São exemplo disso a parrilla argentina, o tuna wan, os tacos al pastor. Ou o caril de gambas à goesa, que lembra os almoços de família ao domingo, em casa dos avós, naturais de Cabo Verde.
A esplanada, poucos metros acima do passeio, assegura uma vista limpa sobre o rio, e na ementa há opções para petiscar durante a tarde, como prego do lombo, tábuas de queijos e enchidos, e nachos. Assume-se como espaço versátil, e caso o plano seja beber um copo há uma convidativa carta de cocktails de autor. À sexta-feira, ao sábado e em véspera de feriados, o horário prolonga-se até às duas da manhã e é garantida a música ao vivo ou a animação com DJ.
A Mundet não se fica pelos seis continentes e arrisca-se também numa viagem pelo tempo. Não bastasse o letreiro original de 1905 que dá as boas-vindas, no interior os vestígios do antigo refeitório não passam despercebidos: as roldanas que já serviram para transportar a cortiça e suportam hoje o balcão do bar. As mesas, com a estrutura de ferro original, onde os trabalhadores comiam. Ou os armários que hoje guardam os talheres e os pratos, e noutra vida acomodavam as marmitas dos operários. É um lugar de memórias que não perde a sofisticação e não desiste de se reinventar.
Mundet Factory
Praça 1º de Maio, Seixal
Tel.: 928117774
Das 12h30 às 00h; sexta e sábado até às 2h. Encerra à segunda
Preço médio: 25 euros
Copos e conversas, a bordo do Falua
Já dá pelo nome de Falua há mais de 30 anos. Começou por ser uma pastelaria, que abastecia os passageiros do cacilheiro. Anos mais tarde, reabriu como bar e rapidamente conquistou o posto de esplanada nocturna mais concorrida do Seixal. É o ponto de encontro dos grupos de amigos de sempre, mas também já viu muitas amizades a nascer – o ambiente por ali prima pelo convívio, até entre mesas.
Mudou recentemente de mãos, agora estão ao leme Paula Lopes e Maria Teresa Gonçalves, que mantinham o sonho de abrir um negócio próprio e apaixonaram-se por esta antiga casinha à beira-rio mal lhe deitaram os olhos. Compreende-se bem a razão: entrar no Falua é mergulhar nas origens da actividade náutica seixalense, com vários elementos de embarcações antigas, que foram reinventados nas obras de restauro.
As bebidas são as estrelas da casa. Ao balcão servem-se bons cocktails, cervejas, licores, rum, acompanhados de várias opções para picar noite dentro, como nachos, chamuças ou empadas.
Falua
Praça dos Mártires da Liberdade, 11, Torre da Marinha (Seixal)
Tel.: 910067910
Das 17h às 01h; sexta das 17h às 2h; sábado das 15h às 2h; domingo e feriados das 15h às 20h. Encerra à segunda.
Este artigo foi publicado no n.º 6 da revista Solo.