Algumas pessoas têm dores de cabeça ao beber vinho tinto. Porquê?

As dores de cabeça frequentemente sentidas depois de beber vinho tinto são um mistério de longa data que uma equipa de cientistas procurou desvendar – e agora identificou um composto químico.

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Há quem fique com dor de cabeça mesmo só com um copo de vinho tinto SARAH MEYSSONNIER/Reuters
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Uma equipa de cientistas identificou uma causa possível para as dores de cabeça provocadas pelo vinho tinto, um efeito que algumas pessoas sentem mesmo quando bebem um único copo. Trata-se de um componente químico presente em vegetais e frutas, nomeadamente nas uvas, segundo um artigo científico publicado na revista Scientific Reports.

O estudo de investigadores da Universidade da Califórnia em Davis (Estados Unidos) aponta como causa um dos flavonóis – a quercetina, que é o flavonol mais comum na dieta e está presente em grande concentração na cebola, por exemplo. A quercetina é considerada um antioxidante saudável, encontrando-se também em vários suplementos de vitaminas.

No entanto, “quando [a quercetina] é metabolizada com o álcool pode ser problemática”, explica-se num comunicado de imprensa daquela universidade. Esta descoberta pode agora contribuir para se desenvolver formas de evitar o problema das dores de cabeça pelo vinho tinto.

O fenómeno das dores de cabeça pelo vinho

As dores de cabeça que aparecem depois de ingerir vinho não são uma novidade. De acordo com o artigo científico, existem dois tipos de dores de cabeça provocadas pelo vinho: as imediatas ou primárias, que se iniciam entre 30 minutos a três horas após a ingestão do vinho; e as dores de cabeça da ressaca, que começam entre cinco a 12 horas depois da ingestão de bebidas alcoólicas. Este estudo quis perceber o que causa as dores de cabeça imediatas, especialmente aquelas que surgem quando se bebe vinho tinto.

Têm-se feito estudos para perceber a origem das dores relacionadas com o vinho tinto. Entre os suspeitos, têm estado os taninos, os sulfitos, os flavonóides e as aminas biogénicas, compostos que muitas vezes se encontram nos alimentos, como as frutas e os vegetais.

Por exemplo, os sulfitos são usados na indústria alimentar, incluindo o sector do vinho, como conservante, porque previnem o desenvolvimento de bactérias. Os rótulos das garrafas incluem mesmo a referência que o vinho contém sulfitos, porque quem é asmático ou alérgico à aspirina pode ter reacções adversas. Mas a associação entre os sulfitos e as dores de cabeça por causa do vinho tinto ainda não está confirmada. Nos vinhos brancos doces, recorda agora a BBC online, geralmente o teor de sulfitos até é maior do que em vinhos tintos.

Explicações possíveis

Perante o mistério das dores de cabeça imediatas por se beber um simples copo de vinho tinto, os investigadores decidiram analisar dezenas de compostos presentes no vinho, para verificarem quais manifestavam algum efeito. Foi assim que concluíram que a quercetina era o principal componente a bloquear o metabolismo do álcool.

O metabolismo do álcool divide-se em duas etapas. A primeira transforma o álcool num composto tóxico chamado acetaldeído. E na segunda etapa a enzima ALDH2, presente no corpo humano, converte o acetaldeído em acetato (que é, aliás, o principal do composto vinagre) e que depois é expelido pelo organismo.

“Quando a quercetina entra na corrente sanguínea, o corpo converte-a numa forma diferente chamada ‘glicuronídeo de quercetina’”, explica no comunicado um dos autores do estudo, Andrew Waterhouse, da Universidade da Califórnia em Davis.

E é quando se apresenta desta forma – como glicuronídeo de quercetina – que “bloqueia o metabolismo do álcool”. Isto porque este composto químico inibe a acção da enzima ALDH2. Este bloqueio, explica Apramita Devi, também autora do artigo científico, pode causar, por sua vez, a acumulação da toxina acetaldeído. “O acetaldeído é uma toxina, substância irritante e inflamatória bem conhecida”, acrescenta Apramita Devi, citada no comunicado, esclarecendo que, quando apresenta níveis elevados, pode causar rubor facial, dores de cabeça e náuseas.

A quercetina é produzida pelas uvas como resposta à luz solar e por isso “se as uvas forem cultivadas com os cachos expostos, como acontece no Vale de Napa, obtêm-se níveis muito mais elevados de quercetina”, acrescenta ainda Andrew Waterhouse. Os níveis deste composto nas uvas podem aumentar até cinco vezes mais pela exposição ao sol.

Embora este composto tenha sido destacado como o principal responsável pelas dores de cabeça, os cientistas indicam igualmente alguns factores que podem potenciar estas dores de cabeça, como medicação de combate ao alcoolismo, ao causar a acumulação da toxina acetaldeído no corpo. As pessoas asiáticas também estão mais propensas a este efeito secundário do vinho: em 40% da população do Leste da Ásia a enzima ALDH2 (necessária para o metabolismo do álcool) não funciona muito bem, o que aumenta os níveis de acetaldeído.

“Quando as pessoas susceptíveis consomem vinho com quercetina, mesmo com quantidades modestas, desenvolvem dores de cabeça, em especial se tiverem enxaquecas pré-existentes ou outro problema primário de dores de cabeça”, realça outro dos autores do artigo científico, Morris Levin, professor de neurologia na Universidade da Califórnia em São Francisco.

Para esclarecer o mistério das dores de cabeça de uma vez por todas, a equipa planeia agora testar em humanos vinhos com diferentes níveis de quercetina e, como consequência, diferentes níveis da acumulação da toxina acetaldeído. “Se a nossa hipótese se confirmar, então teremos as ferramentas para começar a abordar estas questões importantes”, remata Andrew Waterhouse.

Texto editado por Teresa Firmino

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