O criador italiano Giorgio Armani é uma raridade na moda pela independência da sua marca. O rei da moda italiana sempre manteve um controlo apertado sobre a empresa que fundou e essa atenção aos detalhes estende-se às regras claras sobre a forma como esta deverá ser gerida após a sua morte.
Aos 89 anos, Armani continua a ser o CEO e o único accionista da empresa que criou com o seu falecido sócio na década de 1970. Só no ano passado, registou um volume de negócios de 2,35 mil milhões de euros.
Sem filhos, especula-se sobre o futuro a longo prazo do império de Armani e se, numa indústria dominada por conglomerados de luxo, conseguirá manter a independência que tanto preza.
Um documento de 2016, até agora mantido secreto, na posse de um notário em Milão e analisado pela Reuters, estabelece os futuros princípios de governação para aqueles que herdarem o grupo, enquanto outro detalha outras questões como a manutenção dos postos de trabalho na empresa. É o resultado de uma reunião extraordinária que o criador convocou naquele ano para adoptar novos estatutos para o grupo, que só entrarão em vigor após a sua morte.
O primeiro documento explica como os herdeiros devem abordar uma potencial cotação na bolsa ─ embora só cinco anos após a morte do fundador ─ e qualquer potencial fusão ou aquisição. No que diz respeito à estética e assinatura Armani, ficam obrigados à manutenção de um “estilo essencial, moderno, elegante e sem ostentação, com atenção aos pormenores e à usabilidade”.
Quem vai suceder?
Os herdeiros de Armani deverão incluir a sua irmã, três outros membros da família que trabalham no negócio, bem como o colaborador de longa data Pantaleo Dell'Orco e a fundação de solidariedade.
Os estatutos dividem o capital social da empresa em seis categorias com diferentes direitos de voto e poderes ─ tendo sido alterados em Setembro deste ano para criar alguns postos sem direito de voto.
O grupo Armani, que representa o criador e a família, recusou-se a comentar o documento ou o seu conteúdo.
Não se esclarece a forma como os diferentes blocos de acções serão distribuídos, mas os especialistas em gestão de empresas afirmam que deverá ser assegurada uma transição relativamente suave, atribuindo ao conselho de administração um papel central. “É uma organização que reduz as margens de desacordo entre os herdeiros”, explicou à Reuters Guido Corbetta, professor de Gestão Empresarial na Universidade Bocconi, em Milão.
Giorgio Armani tem uma irmã mais nova, Rosanna; duas sobrinhas, Silvana e Roberta; além de um sobrinho, Andrea Camerana. Apesar de não ser um Armani, Dell'Orco também é considerado parte da família. Actualmente, são todos membros do conselho de administração e, à excepção de Rosanna, todos trabalham no grupo.
Silvana e Dell'Orco são designers e trabalham há décadas em estreita colaboração com Armani, que os apelida de “tenentes do estilo”. Os estatutos de 2016 definem o processo de nomeação dos futuros directores criativos da linha feminina e masculina, tornando os dois designers as escolhas presumíveis.
Já a sobrinha Roberta é directora de Entretenimento e Relações VIP, enquanto Andrea Camerana é director-geral de Sustentabilidade.
Legado para durar
Armani também criou uma fundação em 2016 que, actualmente, tem uma pequena participação simbólica, mas que se destina a desempenhar um papel fundamental na protecção do negócio, que criou com Sergio Galeotti ─ antes de se lançar a solo quando o companheiro (de negócios e vida) morreu, em 1985.
O objectivo é reinvestir o capital em causas de solidariedade social e manter a influência duradoura de Armani sobre o grupo. Os estatutos da fundação, a que a Reuters teve acesso, prevêem a gestão da participação accionista com o objectivo de criar valor, manter os níveis de emprego e dar continuidade aos valores da empresa. O grupo Armani tem cerca de nove mil funcionários.
O acordo faz lembrar o adoptado pelo fundador da Rolex, Hans Wilsdorf, que deixou a marca a uma fundação em 1960 que ainda detém a manufactura de relógios de luxo.
Armani sempre defendeu a independência da sua empresa e excluiu a possibilidade de uma fusão, especialmente com os grupos franceses que engoliram marcas italianas como a Gucci, actualmente propriedade da Kering.
Os estatutos do grupo prevêem igualmente “uma abordagem cautelosa das aquisições com o único objectivo de desenvolver competências que não existem internamente do ponto de vista do mercado, do produto ou do canal”. Prevêem igualmente a distribuição de 50% dos lucros líquidos aos accionistas.
Uma eventual admissão à cotação na bolsa exige o voto favorável da maioria dos administradores “após o quinto ano a contar da entrada em vigor do presente estatuto”, refere o documento. O grupo Armani recusou-se a comentar uma eventual cotação a médio prazo.
“Os princípios fundadores mostram o desejo de Armani de transmitir e prolongar a sua ideia de empresa, de negócio, há um desejo de eternidade”, nota o professor Corbetta.
Apesar do seu planeamento meticuloso, o facto é que o futuro está fora do controlo de Armani. “As regras podem restringir um pouco a empresa e tornarem-se incompatíveis com as mudanças drásticas do mercado”, conclui o especialista.