Europa para quem?

Ouve aqui o primeiro episódio do novo podcast da Rede Público dedicado aos assuntos europeus.

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EPA/ADAM VAUGHAN

“Europa para quem?” foi o mote do primeiro episódio do Eurotopia, o novo podcast independente da Rede Público. Qual é o nosso papel e identidade enquanto portugueses e europeus? O que é, afinal, ser europeu, e qual a visão de futuro que temos para esta união de nações e de povos? Será a Eurotopia atingível ou sequer desejável? São estas as questões que pretendemos colocar, com o ouvinte e o leitor, num espaço de conversa e debate de ideias.

Comecemos, então, por olhar para os desafios que o projecto Europeu enfrenta, particularmente do ponto de vista externo.

A invasão da Ucrânia pela Rússia, a 24 de Fevereiro de 2022, marcou uma nova era na União Europeia (UE), afirmando o surgimento de uma Europa geopolítica e vincando as vulnerabilidades da sua política externa.

A guerra na Ucrânia criou uma ideia de que a Europa estava capaz de entrar no campeonato das grandes potências, alimentando a percepção de interesses comuns entre os 27 Estados-Membros e, também, daquele que seria o seu potencial papel regional. Porém, o conflito desencadeado pelo ataque do Hamas no sul de Israel mudou a trajectória desta convicção europeia comum, relembrando quais são as linhas que separam os interesses dos 27.

O ritmo frenético da diplomacia internacional realçou aquele que é o grande enigma da UE. Como é que a União, como uma superpotência comercial e económica, encontra tanta dificuldade em afirmar-se como um actor relevante com um forte impacto na cena global? Ficou claro que a afirmação de uma Europa geopolítica, durante a sua resposta à guerra na Ucrânia, se vai subtraindo pela resposta que foi dada à crise em Gaza.

Apesar de ser verdade que a invasão Russa à Ucrânia forçou a UE a afirmar uma posição e papel mais geoestratégico, também importa sublinhar que caso os Estados Unidos da América reduzam ou retirem a sua ajuda militar à Ucrânia, a UE não tem a capacidade de compensar essa ausência (lembrando aqui a malograda proposta do Presidente francês, Emmanuel Macron, para a criação de um exército europeu comum e de uma verdadeira união ao nível da defesa).

É claro que a UE é uma organização voluntária, composta por Estados soberanos que não deixaram de o ser, mas reconhecendo a complexidade de enfrentar duas guerras ao mesmo tempo nas suas fronteiras, impera que seja construída uma leitura comum do mundo, para que se subtraiam as divisões internas e se alimente a influência externa.

Mas o que é interior ao ser também pode representar uma virulenta ameaça à sua constituição.

No contexto interno, um dos maiores desafios que permanece, a longo prazo, é a possibilidade de alargamento da UE para além dos actuais 27 Estados-Membros. Esta foi, aliás, uma das prioridades apontadas pela Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, no discurso do Estado da União, em Setembro, no qual sublinhou que “num mundo em que a estatura e o peso têm relevância, ampliar a União serve os melhores interesses da Europa em termos estratégicos e de segurança”.

A UE conta actualmente com oito países candidatos à adesão (Albânia, Bósnia-Herzegovina, Moldávia, Montenegro, Macedónia do Norte, Sérvia, Turquia e Ucrânia), países em estados de desenvolvimento político, económico e social muito díspares face aos actuais Estados-Membros e, inclusivamente, entre si.

Este será, portanto, um processo desafiante, onde apesar de uma mensagem oficial mais determinada, os Estados-Membros acabam por ficar divididos em relação à futura adesão dos oito países. Se por um lado temos países que apoiam o alargamento, por outro temos países que questionam a sua entrada, temendo que os seus próprios interesses fiquem em causa. Um alargamento reflecte, assim, um inevitável confronto de interesses e de negociações internas. Estará a UE realmente preparada para funcionar a 36 velocidades?

Além disso, a complexidade da cena global torna a integração na UE uma oportunidade para um aprofundar da influência do bloco europeu, onde países como a Ucrânia e a Moldávia deixam de ser meros peões entre a UE e a Rússia. Ainda assim, para que a UE exerça a sua influência a nível global e regional, perspectivando o seu alargamento, será preciso trazer para debate futuras revisões nos tratados que permitam concretizar necessárias reformas institucionais.

Contudo, paralelamente ao alargamento, a UE está, ainda, num processo de aprendizagem sobre como lidar com os seus próprios Estados “rebeldes”, países com governos de pendor nacionalista que rejeitam a aplicação de princípios essenciais do Direito europeu e ameaçam a própria coesão dentro da UE. Relembramos aqui, por exemplo, que, em Setembro de 2022, o Parlamento Europeu declarou que “a Hungria já não pode ser considerada uma democracia plena”, tendo em conta, entre outras, as preocupações relativamente à independência do sistema judicial, à liberdade de expressão dos media, à liberdade académica e aos direitos das minorias, incluindo os direitos LGBTIQA+.

Como vemos, são muitos os desafios que a Europa enfrenta e apenas uma UE unida poderá defender a sua versão de democracia liberal no mundo.

Numa sociedade global cada vez mais ameaçada pela sombra da autocracia e da lei do mais forte, qual deverá ser o papel da nossa nação de Estados, e qual o estado da nossa Nação? Em ano de Eleições Europeias, revela-se mais necessário do que nunca ter capacidade para responder a estas perguntas, transmitindo aos cidadãos uma mensagem de esperança no futuro que não seja perturbada por niilismos políticos excessivos ou pelas tentações de centralização do debate em torno das súbitas eleições legislativas que também se realizarão em 2024.

Assim, cá estaremos, a promover o debate e o diálogo, na esperança de que mesmo que não seja possível fornecer respostas, a sensibilização para o problema possa ser suficiente para causar mudança. Juntem-se a nós, nesta nossa história de uma Eurotopia futura… e talvez assim cheguemos um pouco mais perto de a atingir.


O Eurotopia é um podcast quinzenal da Rede Público, que visa debater os desafios da Europa. Com Joana Gama Gomes, André Teixeira, Beatriz Henriques Capão e Marta Ferreira.

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