O arroz do Baixo Vouga vai directamente do campo para a mesa

Depois de ter andado nos campos a ajudar os orizicultores, a população teve a oportunidade de provar o grão cultivado em Canelas e Salreu. A ementa esteve por conta da chef Cristina Manso Preto.

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Arroz doce de laranja e tomilho foi uma das receitas apresentadas DR/Câmara Municipal de Estarreja
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Naquela tarde de sábado, e ao contrário do que tinha acontecido nas acções de Maio e Setembro, Carlos Valente era apenas um elemento da assistência. Tinha chegado o momento de dar por terminado o ciclo de produção do arroz do Baixo Vouga Lagunar que a Câmara Municipal de Estarreja decidiu, este ano, abrir ao público – na altura da sementeira e da monda, a população teve a oportunidade de arregaçar as mangas e dar uma ajuda nos campos –, provando o que a terra deu. Não foi um ano de grandes quantidades. Muito pelo contrário, conforme testemunhou o orizicultor Carlos Valente, que viu grande parte da colheita deste ano ficar “debaixo de água”. Ainda assim, garantiu-se a qualidade, conforme comprovou a chef Cristina Manso Preto, que foi desafiada a promover, no dia 4 de Novembro, um show cooking na “Hidro-Eléctrica” de Estarreja, onde em tempos era efectuado o descasque do arroz, e que em breve abrirá portas como espaço museográfico “Fábrica da História – Arroz”.

Um risoto de castanhas e toucinho fumado para começar, seguido de um arroz doce de laranja e tomilho. Foram estas as propostas apresentadas pela chef ao público presente na sessão que teve direito a degustação. “Vou tentar repetir as receitas em casa”, contava Balbina Almeida, de 72 anos, à Fugas, já depois de ter provado as iguarias confeccionadas por Cristina Manso Preto.

Balbina já tinha participado noutras acções do ciclo do arroz e, mais importante do que isso, orgulha-se de ter dedicado parte da sua vida a este grão. “Comecei a trabalhar nos campos de arroz quando tinha uns dez anos. Era o trabalho das raparigas no Verão”, testemunhava. “Agora fazem sementeira, mas naquele tempo plantávamos à mão. E também era apanhado com a focinha e não com máquinas”, repara. Os métodos de cultivo foram evoluindo, mas a grande diferença entre os tempos de antigamente e a actualidade reside na quantidade de campos que são cultivados. “Agora, já são poucos e é uma pena se deixam morrer isto”, comentava.

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Cristina Manso Preto foi a chef convidada para liderar o showcooking DR/Câmara Municipal de Estarreja

Têm sido desenvolvidos vários esforços, tanto por parte da Câmara Municipal de Estarreja, como das juntas de Canelas e Salreu, no sentido de valorizar cada vez mais este produto — disso são exemplo as acções que levaram, este ano, várias pessoas até aos campos de cultivo, e que a Fugas teve a oportunidade de acompanhar —, mas há quem clame por mais. Especialmente depois de terem visto grande parte do trabalho deste ano ficar debaixo de água. “Já tinha começado mal por causa dos íbis; agora, foi a chuva. Sem apoios vai ser uma missão quase impossível”, lamentou Carlos Valente. Até ele, que tem sido um grande impulsionador do “renascimento” do Baixo Vouga Lagunar, não consegue esconder o desânimo.

Umas filas atrás, Manuel Almeida, presidente da Junta de Freguesia de Salreu — organismo que, há alguns anos, decidiu reactivar alguns arrozais da sua área de influência —, manifestava idêntico desalento. “Foi um ano de persistência e insucesso”, desabafava. “Ainda fizemos a sementeira, mas os pássaros levaram o arroz todo. Fizemos uma nova tentativa, com o cultivo a seco, e tudo fazia prever que íamos ter uma boa colheita, mas a margem esquerda do rio Antuã rebentou e inundou por completo o nosso arrozal”, especificou.

Pouco mas bom, garante quem sabe

Quer isto dizer que este será um ano com pouco arroz do Baixo Vouga Lagunar (Canelas e Salreu) no mercado. O que é de lamentar, especialmente para os fãs dos pratos de arroz mais húmido ou caldoso – o bago daquela região tem a fama de, depois de ser confeccionado, ficar com um aspecto mais pastoso e aguado —, como aqueles que foram servidos naquela tarde. “Este arroz carolino acaba por ficar muito bem num risoto”, avaliava Cristina Manso Preto, descansando as mentes que associam este prato italiano somente ao arroz arbóreo. Para aquela receita em concreto, a chef juntou ao arroz do Baixo Vouga Lagunar cebola, azeite, toucinho fumado, queijo parmesão – que, segundo sugeriu, pode ser substituído pelo Queijo da Ilha –, castanhas e rúcula.

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Para o arroz doce, a chef optou pelas cascas de laranja cristalizadas, em vez da tradicional casca de limão. “Esta receita também leva leite, gemas de ovos, açúcar e tomilho. Tudo a que tem direito”, anunciava a chef às cerca de 40 pessoas que assistiram à sessão que já antecipou aquela que será uma das vivências da futura “Fábrica da História – Arroz”. O equipamento, segundo foi já anunciado, contará com um espaço de restauração, que procurará promover este cereal de forma criativa e inovadora.

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