Um país em suspenso

O Presidente quer devolver “a palavra ao povo sem temores”, mas é preciso sublinhar que, estando a democracia a funcionar, não está a operar nas melhores condições.

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O país está a dar um salto mortal, a desenhar o movimento no ar, sem que alguém possa prever como vai aterrar. Vai ficar em suspenso até novas eleições, em Março de 2024, e até que as várias instâncias judiciais, com especial incidência no Supremo Tribunal de Justiça, concluam o processo judicial que conhecemos a 7 de Novembro. Só nessa altura iremos perceber se eram justificadas as razões que levaram à queda de um primeiro-ministro que era suportado por uma maioria absoluta.

É esse o maior risco deste salto, o de que os portugueses sejam chamados a fazer as suas escolhas no escuro, sem poder aferir devidamente das suspeitas levantadas sobre a governação de um dos maiores partidos da democracia portuguesa. Os protagonistas do PS vão mudar, há muitos outros assuntos importantes para o país, mas os eleitores, com grande probabilidade, vão fazer as suas escolhas sob o signo deste caso, sem que ele esteja devidamente aclarado. O Presidente quer devolver “a palavra ao povo sem temores”, mas é preciso sublinhar que, estando a democracia a funcionar, não está a operar nas melhores condições.

Entende-se por isso mal que o Presidente não tenha tido no seu discurso uma palavra de exigência em relação à actuação do poder judicial. O país precisava, neste momento, de saber que o poder político, sem que isso signifique uma interferência, não está paralisado na sua capacidade crítica de avaliar a conduta do Ministério Público e da Procuradoria-Geral da República.

Marcelo Rebelo de Sousa decidiu em coerência, dentro dos seus poderes e sem grande margem para decidir de outra forma. Apresentou cinco razões para o fazer que são avisadas, e que, como não poderia deixar de ser, reflectem a sua visão do momento que o país vive. Mais frágil na sua ideia de que a natureza do voto de 2022 estava necessariamente personalizada no primeiro-ministro, quando o poder emana do Parlamento, onde está sentada uma maioria absoluta, mais consistente na ideia de que é necessária “maior clareza e mais vigoroso rumo para superar um vazio inesperado”. Perante este vazio, o PS não mostrou capacidade para montar a defesa da sua ideia de que não eram necessárias eleições antecipadas.

Apesar de torcer um pouco o espírito da Constituição, o Presidente também faz bem em adiar a exoneração do primeiro-ministro, permitindo que se conclua, com a aquiescência do maior partido da oposição, o processo orçamental em curso. O país precisa de continuar a funcionar para, o mais depressa possível, voltar a assentar os dois pés no chão.

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