Emprego vence primeiro embate com o risco de recessão
Num trimestre que foi de contracção da economia, o mercado de trabalho ainda resistiu, com os empregos a chegarem aos cinco milhões.
O mercado de trabalho português, classificado como o “dique da economia” por Mário Centeno e que durante a última década garantiu a criação de 840 mil novos empregos e permitiu uma subida de quase 10 pontos percentuais na taxa de emprego, conseguiu enfrentar sem danos o primeiro grande choque com a deterioração da conjuntura económica a que se está a assistir no país no final deste ano.
A economia portuguesa, ficou-se a saber na semana passada, registou uma contracção de 0,2% durante o terceiro trimestre, afectada pelo impacto negativo da alta das taxas de juro no consumo e no investimento e, principalmente, pelo efeito nas exportações da travagem que já se verifica em alguns dos principais parceiros comerciais do país. O cenário é de risco de entrada em recessão e, por isso, existe o receio de que esta quebra na actividade económica se comece a reflectir numa evolução mais desfavorável dos indicadores do emprego, quebrando uma tendência positiva que se observa já, quase sem interrupções, desde o fim da crise da dívida e presença da troika no país.
Para já, contudo, olhando para os dados publicados esta quinta-feira pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), não há sinais de uma viragem para pior no mercado de trabalho português, com os principais indicadores a revelarem uma evolução positiva mesmo durante um período de contracção da actividade económica.
A taxa de desemprego cifrou-se, no período entre Julho e Setembro deste ano, em 6,1% da população activa. É um valor igual ao registado no segundo trimestre deste ano e representa uma ligeira subida de 0,1 pontos percentuais face ao resultado do período homólogo do ano passado.
Mais de cinco milhões com emprego
Ao mesmo tempo, o número de empregos continuou a apresentar uma tendência ascendente. Pela primeira vez na série trimestral do INE, o número de pessoas empregadas em Portugal superou os cinco milhões, tendo crescido 0,5% face ao trimestre imediatamente anterior e 2,2% face ao mesmo período do ano anterior. Há agora mais 109,2 mil empregos do que havia no terceiro trimestre de 2022 e, durante os últimos dez anos, a criação de empregos no país ascendeu a 840 mil.
A taxa de emprego, que representa o número de pessoas em idade activa que está a trabalhar, também está nos máximos das últimas décadas e subiu, no terceiro trimestre, de 57,2% para 57,4%. Há precisamente dez anos, não passava dos 47,8%, um valor quase dez pontos percentuais abaixo.
Com a variação positiva de 0,5%, o emprego em Portugal voltou a crescer mais do que a economia durante o terceiro trimestre, o mesmo acontecendo na comparação com o período homólogo do ano passado, com o crescimento de 2,2% do emprego a ser comparável com a variação de 1,9% que se verificou no PIB.
Mantém-se assim, pelo menos para já, um comportamento que acaba ele próprio por ajudar a economia, já que o elevado número de empregos, associado a aumentos salariais também mais elevados do que no passado, contribuem para que a procura interna se mantenha forte, principalmente em cenários em que inflação e taxas de juro altas desincentivam o consumo.
É por isso que, há um mês, quando apresentou as suas previsões para a economia, o governador do Banco de Portugal fez questão de passar a mensagem de que a chave para que Portugal evite uma queda mais acentuada da sua economia está na continuação do bom desempenho do mercado de trabalho.
“A grande questão é se o mercado de trabalho continuará a funcionar como um dique para conter as tensões na economia ou se vai ser a primeira peça do dominó. Quer as empresas, quer os trabalhadores, quer as autoridades monetárias devem garantir que este dique não se rompa, porque é ele que neste momento sustenta as nossas economias”, disse Mário Centeno.
A batalha ganha no terceiro trimestre, contudo, está longe de garantir que a guerra foi ganha. A história mostra que existe sempre um intervalo de tempo entre as viragens de tendência na actividade económica e o reflexo dessas viragens no mercado de trabalho. É o tempo que demora às empresas a começarem a adaptar a sua força de trabalho aos novos níveis de procura que passaram a enfrentar.
Assim, caso a contracção da economia no terceiro trimestre se prolongue para os últimos meses deste ano e para o arranque do próximo, dificilmente o mercado de trabalho poderá continuar a resistir muito mais tempo.