Esta terça-feira, a Procuradoria-Geral da República afirmou que estão a ser investigados factos relacionados com "as concessões de exploração de lítio nas minas do Romano (Montalegre) e do Barroso (Boticas)", "um projecto de central de produção de energia a partir de hidrogénio em Sines, apresentado por consórcio que se candidatou ao estatuto de Projectos Importantes de Interesse Comum Europeu (IPCEI) e o "projecto de construção de data center desenvolvido na Zona Industrial e Logística de Sines pela sociedade Start Campus.
Mina em Montalegre da Lusorecursos
A concessão para exploração de lítio e de outros metais associados na mina do Romano, em Montalegre, foi assinada entre a Lusorecursos e a Direcção-Geral de Energia e Geologia (DGEG) em Março de 2019 e incluía uma refinaria para tratamento do minério bruto. A Lusorecursos Portugal Lithium, administrada por Ricardo Pinheiro (que na altura era acusado de crimes económicos numa investigação a fraudes com fundos comunitários), foi constituída três dias antes da assinatura do contrato.
No mesmo ano, perante uma acção apresentada contra o Ministério do Ambiente e da Transição Energética e a DGEG com vista à anulação do contrato, o secretário de Estado da Energia da altura, João Galamba, defendeu a luz verde dada à concessão da exploração. PSD, BE e PEV criticaram o processo de concessão, mas o então ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, insistiu que o lítio era essencial para a transição energética.
Depois do falhanço do primeiro Estudo de Impacte Ambiental (EIA) da Lusorecursos, apresentado em 2021, o projecto reformulado esteve em consulta pública entre Junho e Julho de 2023. A decisão da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), presidida por Nuno Lacasta, chegou em Setembro: uma Declaração de Impacte Ambiental (DIA) “favorável condicionada ao cumprimento de um conjunto alargado de condições” pela Lusorecursos.
A APA reconheceu ter sido um processo “muito participado”, em que a posição geral foi “manifestamente negativa face ao projecto”, incluindo as reservas manifestadas pela população, os autarcas e associações ambientalistas. Contudo, “à semelhança do que já se verificou para projectos similares, a avaliação desenvolvida teve em consideração o interesse estratégico do lítio para o cumprimento das metas da neutralidade carbónica e transição energética”, justificava a APA.
A Lusorecursos está no centro das suspeitas que envolvem o ministro João Galamba, entre outros. A sede da empresa, em Braga, foi um dos alvos das buscas desencadeadas esta terça-feira pelo Ministério Público.
Lítio de Boticas com Savannah
A concessão para exploração de lítio na mina do Barroso, em Boticas, está a cargo da Savannah Resources Plc, empresa com sede em Londres. O primeiro Estudo de Impacte Ambiental (EIA) da mina do Barroso esteve em consulta pública entre Abril e Julho de 2021. Quase um ano depois, em Junho de 2022 o documento foi chumbado pela APA, que convidou a Savannah a reformular o projecto e voltar a submetê-lo à apreciação antes da emissão da Declaração de Impacte Ambiental (DIA).
A região, onde estarão localizadas as maiores reservas de lítio da Europa, tem o selo de Património Agrícola Mundial atribuído pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). O projecto foi recebido com forte contestação da população local, já que o projecto da Savannah vai explorar lítio a poucas centenas de metros da aldeia de Covas do Barroso.
Depois de uma nova consulta pública, entre Março e Abril deste ano, a APA deu luz verde à ampliação da mina do Barroso em Maio. A "Declaração de Impacte Ambiental (DIA) favorável condicionada" deixa um "conjunto alargado" de exigências.
Em entrevista ao PÚBLICO, o presidente da APA assumia que, apesar de a exploração de lítio poder pôr em risco o selo dado pela FAO, as garantias ambientais e socioeconómicas dadas pela Savannah tornam este projecto numa “referência internacional”. As únicas linhas vermelhas para a exploração de lítio em Portugal, afirmava Nuno Lacasta, são os projectos “que não passem o crivo ambiental com este nível alto de fasquia”.
Hidrogénio, o consórcio que nunca foi
O projecto para criar um consórcio nacional para a produção de hidrogénio verde, que foi um dos catalisadores da investigação por alegados crimes de corrupção e tráfico de influências que levou ao pedido de demissão do primeiro-ministro, nunca passou disso, de um projecto sem concretização.
O H2Sines começou por ser um acordo entre várias empresas, como a EDP, a Galp, a REN, a Martifer e a Vestas, para avaliar a produção de hidrogénio verde em larga escala em Sines, em terrenos da AICEP, mas quase um ano depois, as empresas continuavam sem uma decisão que marcasse o fim do acordo ou o avanço para a fase seguinte de concretização do consórcio.
O objectivo era o desenvolvimento de um gigawatt de potência de produção de hidrogénio através de electrólise da água com recurso à energia solar, servindo como combustível para a refinaria da Galp e outras indústrias e, eventualmente, gerando um excedente para exportação. Mas o empreendimento acabou por se revelar demasiado ambicioso e com pouca viabilidade económica.
Em Junho de 2021, a EDP confirmou a sua saída do H2Sines, decidindo canalizar “a sua estratégia e futuros investimentos em hidrogénio verde” para outras paragens. Também a Galp anunciou a realização de investimentos em hidrogénio verde, mas dentro de um plano específico para descarbonizar a sua refinaria.
Mega-centro de dados em Sines
Apresentado em Abril de 2021 numa cerimónia em que esteve presente António Costa, o mega-projecto de data centers Sines 4.0, está a ser desenvolvido pela empresa Start Campus.
Dois dos cinco detidos que a Procuradoria-geral da República (PGR) confirmou existirem já no âmbito da investigação que começou por estar ligada aos negócios do hidrogénio e do lítio, mas que agora se percebe ser mais abrangente, são executivos desta empresa. Trata-se de Afonso Salema e de Rui Oliveira Neves (advogado que durante anos foi responsável pela regulação na Galp).
Ainda no final de Setembro, o ministro das Infra-estruturas, João Galamba (um dos arguidos no caso), e o presidente da Câmara de Sines, Nuno Mascarenhas, visitaram a empresa para assinalar o início de actividade dos primeiros clientes no primeiro edifício do empreendimento.
O denominado Sines 4.0 prevê um investimento de “até 3500 milhões de euros” num ‘campus Hyperscaler Data Centre’, com capacidade até 450 Megawatts (MW), que “criará até 1200 postos de trabalho directos altamente qualificados e pode vir a gerar 8000 novos empregos indirectos até 2025”, segundo avançou a empresa promotora na data da apresentação.