Último disco de José Afonso para a Orfeu com lançamento público em Coimbra

A reedição definitiva de Fados de Coimbra e Outras Canções anima uma sessão pública na próxima sexta-feira em Coimbra, no Café Santa Cruz, com transmissão directa na Antena 1.

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José Afonso com Durval Moreirinhas (viola) e Octávio Sérgio (Guitarra de Coimbra) em 1981 ASSOCIAÇÃO JOSÉ AFONSO
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Nas plataformas digitais desde 20 de Outubro, a reedição definitiva do décimo primeiro e último álbum que José Afonso gravou para a Orfeu (Fados de Coimbra e Outras Canções) vai ser agora apresentada em sessão pública. Será em Coimbra, na próxima sexta-feira, 10 de Novembro, no histórico Café Santa Cruz, onde a partir das 15h conversarão com o jornalista Nuno Galopim (da Antena 1, que transmitirá em directo) o músico Janita Salomé (que participou nas gravações originais), o musicólogo Rui Vieira Nery e o jornalista e guitarrista Manuel Portugal, ligado à canção de Coimbra e filho do guitarrista António Portugal (1931-1994), que tocou no Orfeon Académico com José Afonso. Nesta sessão pública, estarão presentes as edições físicas (em CD e vinil) da actual reedição.

Gravado por José Afonso a “pedido de pessoas ligadas à Orfeu”, como disse ao PÚBLICO, em Outubro, o filho do cantor, Pedro Afonso, Fados de Coimbra e Outras Canções é composto por dez temas, sendo oito deles do repertório do cantor e poeta Edmundo Bettencourt (1899-1973): Saudades de Coimbra, Fado d’Anto, Senhora do Almortão, Mar alto, Fado da sugestão, Fado dos olhos claros, Inquietação e Crucificado. As restantes já tinham sido gravadas por ele num EP de 1960: Balada do Outono, do próprio José Afonso, e Vira de Coimbra, um tema popular. A acompanhar José Afonso nas gravações, nos Estúdios Rádio Triunfo, estiveram Octávio Sérgio (guitarra de Coimbra), Durval Moreirinhas (viola) e, só no tema Vira de Coimbra, Janita Salomé (viola) e Júlio Pereira (cavaquinho). O grafismo da capa do disco é de José Santa-Bárbara.

Fados de Coimbra e Outras Canções é o único disco de José Afonso com dedicatória explícita. No interior, podia ler-se: “A Edmundo Bettencourt. A meu pai”. Sendo Bettencourt, como Herberto Helder o descreveu em 1963, “um poeta raro que um enorme silêncio escondeu do público” (num texto que viria a integrar, com adenda, o prefácio de Herberto para a edição dos poemas de Bettencourt pela Assírio & Alvim, em 1999), era também um cantor admirado por José Afonso. Este, numa entrevista ao jornal Em Marcha, em 1981, afirmou que o disco obedecia “a dois critérios”: “Primeiro, mostrar que um indivíduo de formação progressista, que esteve e está ligado a Coimbra, pode perfeitamente cantar os seus fados com uma certa qualidade artística. Por outro lado, é uma homenagem pessoal que eu faço a Edmundo Bettencourt.”

Quanto ao acompanhamento escolhido, ter-se-á devido a um episódio que Octávio Sérgio recorda num texto que escreveu para Catálogo da exposição Desta Canção que Apeteço – Obra Discográfica de José Afonso, 1953-1985 (Ed. AJA/CMG): “Fui convidado a gravar um disco com o Janita Salomé, o Melro, que tinha a colaboração do Durval Moreirinhas na viola. Um dos números do LP era o conhecido Fado do Alentejo (Maria, teu lindo nome), e para nossa surpresa, o José Afonso, que tinha sido “mestre” do Janita, apresenta-se no estúdio de gravação para interpretar (à laia de maestro!) esse fado, mas num andamento bastante mais rápido do que a versão original do Menano à qual estávamos habituados, gesticulando para o efeito como um autêntico chefe de orquestra.” Gravado para a Orfeu, o álbum Melro foi editado em 1980.

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Capas das edições originais de Melro (1980) e Fados de Coimbra (1981)

Fados de Coimbra e Outras Canções, segundo Octávio Sérgio, “acabou por se fazer apenas com dois ou três ensaios”: “Um deles na minha casa de Almada, onde na altura morava, tendo nós três ensaiado principalmente no estúdio. A voz do Zeca mantinha ainda o encanto das gravações iniciais, mas era agora mais madura, não tendo sido difícil acompanhá-lo.” E lá estiveram, tal como no Melro, Octávio, Durval e o próprio Janita, não a cantar mas à viola.

Num livro mais recente, Uma Vontade de Música – As Cantigas do Zeca (Ed. Tradisom, 2021), o investigador Octávio Fonseca analisa as gravações do ponto de vista vocal e instrumental. Diz ele: “José Afonso procurou seguir Bettencourt quanto aos momentos das suspensões, mas de um modo geral desenhou suspensões menos pronunciadas com mais equilíbrio, embora em Saudades de Coimbra tenha momentos em que excede Bettencourt. No que respeita aos tradicionais ‘ais’, tal como Edmundo Bettencourt, José Afonso só os adoptou em Senhora do Almortão e Crucificado.” Além disso, acrescenta, “afastou-se de outras características do canto coimbrão, como a colocação de voz semi-operática, como já fizera nas primeiras gravações”, e “eliminou o excessivo dramatismo interpretativo, bem como as adulterações fonéticas”.

A sua visão do acompanhamento instrumental é também o da inovação: “Octávio Sérgio e Durval Moreirinhas respeitaram a estrutura dos arranjos, mas não reproduziram as soluções das gravações originais. Conceberam novas linhas para as partes instrumentais e para o acompanhamento. Essas linhas, naturalmente mais actualizadas musicalmente, adequaram-se perfeitamente ao estilo do canto, potenciando o carácter mais universalista destas versões.”

A reedição de Fados de Coimbra e Outras Canções, encerrando o capítulo dos discos gravados por José Afonso para a Orfeu, não encerra contudo as reedições da sua obra iniciadas pela família em Outubro de 2021, em parceria com a Mais 5. Existe a promessa, confirmada ao PÚBLICO por Pedro Afonso, de “editar toda a discografia de José Afonso, sem excepção”.

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