Prémio Femina 2023 para a escritora francesa Neige Sinno
Triste Tigre, sobre incesto e abuso sexual que sofreu quando criança, é a obra distinguida com o importante galardão literário francês. Trabalho da autora não se encontra editado em Portugal.
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O Prémio Femina 2023 para romance francês foi esta segunda-feira atribuído à escritora Neige Sinno pela obra Triste Tigre, o seu terceiro livro e aquele em que, de forma duramente pessoal, relata ter sido repetidamente violada pelo padrasto. Até aqui uma quase desconhecida, a autora viu-se catapultada para os top de vendas e para o reconhecimento literário, finalista que é também para o prémio Goncourt e para o prémio Médicis. A escritora portuguesa Lídia Jorge era uma das finalistas na categoria de romance estrangeiro com Misericórdia, mas o prémio foi para Louise Erdrich com The Sentence.
“Há alguns meses, o seu nome nada dizia a ninguém”, atesta o diário francês Le Figaro sobre a premiada pelo galardão que nasceu como contraponto ao prémio Goncourt e que é escolhido por um júri exclusivamente de mulheres, mas que pode premiar autores de qualquer género. “Este livro não é belo nem terno”, continua Alice Develey, que destaca ainda que não corresponde exactamente à estrutura clássica de um romance. “É uma autópsia, um ensaio, uma confissão. Resiste à categorização”, garante.
O tema do livro é doloroso: Neige Sinno, hoje com 46 anos, tinha seis quando o seu padrasto de 24 foi ter com ela à sua cama. As violações duraram oito anos. Sinno diz que decidiu escrever sobre o tema “numa espécie de rebelião ensandecida”. O padrasto, contra quem apresentou queixa em 2000, fora já condenado a nove anos de prisão. O livro veio muitos anos depois, e a sua narradora “é uma voz que tenta parecer-se com a voz que fala” na sua mente, explicou em entrevista à revista Paris Match.
Como se tornou livro publicado é uma história em si: “Vivo no México. Enviei o meu manuscrito por correio às edições P.O.L.”, relatou na mesma entrevista. O editor Frédéric Boyer respondeu-lhe por escrito, depois passaram ao telefone, desconhecidos que não tinham senão texto que ela lhe tinha enviado como ponto de contacto. O que escreve é, nas suas palavras, “um híbrido” entre a não-ficção, a escrita autobiográfica, o romance. “Um texto onde a construção e a escrita têm uma acuidade rara”, garante o diário Libération.
Neige Sinno é autora de La Vie des Rats, um livro de contos editado em 2007, e do romance Le Camion (2018). O seu terceiro livro, agora premiado, já teve cinco reedições e terá vendido mais de 80 mil exemplares em França. O prémio para romance francês tinha ainda como finalistas Veiller sur Elle, de Jean-Baptiste Andrea (ed. L’Iconoclaste), La Foudre, de Pierric Bailly (ed. P.O.L), À Ma Sœur et Unique, de Guy Boley (Grasset), e Marchands de Sable, de Agnès Mathieu-Daudé (ed. Flammarion).
Na categoria de romance estrangeiro, a norte-americana Louise Erdrich foi premiada com The Sentence (2022), obra que continua o seu trabalho embebido no conhecimento que a autora adquiriu ao crescer entre comunidades de origem norte-europeia e nativo-americanos ojibwa. Em Portugal tem publicados os livros Pegadas e A Rainha da Beterraba (Dom Quixote) e Vida de Sombras e A Casa Redonda (Clube do Autor).
Pelo caminho ficou Lídia Jorge, que estava entre os finalistas com o seu romance Misericórdia, traduzido para francês por Elisabeth Monteiro Rodrigues para as edições Métailié, a casa editorial em França da escritora algarvia. Misericórdia, finalista também do galardão Médicis para literatura estrangeira, já recebeu o Grande Prémio da Associação Portuguesa de Escritores, o Prémio Eduardo Lourenço 2023, atribuído pelo Centro de Estudos Ibéricos, o Prémio de Novela e Romance Urbano Tavares Rodrigues 2023 (atribuído pela Fenprof), e o Prémio do PEN Clube Português de narrativa.
Também Han Kang, autora sul-coreana de O Livro Branco ou A Vegetariana, concorria com Impossibles Adieux — Adeus Impossíveis. Maggie O'Farrell era outra candidata ao prémio para romance estrangeiro com Retrato de Casamento (2022), mais precisamente com a tradução Le Portrait de Mariage, da editora Belfond e da autoria de Sarah Tardy, um nome fortíssimo de uma autora distinguida com o Women's Prize for Fiction em 2020 pelo romance Hamnet (2020), também editado em Portugal. Por fim, estava entre os favoritos Robert Seethaler, o único homem entre os finalistas, com Le Café Sans Nom, editado por Sabine Wespieser e traduzido por Elisabeth Landes e Herbert Wolf.
Em 2022, foram premiadas Claudie Hunzinger por Un Chien à Ma Table (Ed. Grasset), Rachel Cusk pelo romance estrangeiro Segunda Casa (editado em Portugal pela Relógio d’Água) e Annette Wieviorka foi distinguida pelo ensaio Tombeaux. Autobiographie de ma famille (ed. Seuil). O prémio Femina de romance estrangeiro foi entregue, desde 1985, a nomes como J.M Coetzee, Amos Oz ou ao português Vergílio Ferreira, distinguido em 1990 por Manhã Submersa.
O ensaio premiado este ano pelo Femina foi La Colère et l'Oubli, de Hugo Micheron, editado pela Gallimard.
Esta semana serão também conhecidos os distinguidos com os prémios Goncourt e Médicis.