Presidente do Supremo Tribunal denuncia corrupção instalada e critica poder político
Lei da amnistia “está a dar um péssimo sinal à sociedade” ao perdoar infracções disciplinares graves a pessoas de todas as idades, diz Henrique Araújo.
O presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), Henrique Araújo, denuncia, em entrevista, a "corrupção instalada" em Portugal e critica o poder político pela falta de vontade em fazer do setor judicial uma prioridade.
"A justiça não é uma prioridade para o poder político. (...) Não vejo que haja por parte dos responsáveis políticos a vontade de alterar alguma coisa", afirmou o juiz conselheiro e presidente do STJ, em entrevista ao jornal Nascer do Sol, publicada esta sexta-feira.
Entre os problemas para os quais defende mudanças na legislação, Henrique Araújo aponta aos megaprocessos e às leis processuais, onde sublinhou haver "imenso trabalho para fazer"; ao fim do efeito suspensivo das decisões judiciais nos recursos para o Tribunal Constitucional, que defendeu ser "facílimo de alterar"; e, sobretudo, ao combate à corrupção, que disse estar instalada no país, começando pela criação do crime de enriquecimento ilícito.
"Seria um bom instrumento para combater o fenómeno da corrupção que está instalada em Portugal e que tem uma expressão muito forte na administração pública. Isto não é uma simples percepção, é uma certeza", referiu o presidente do Supremo, continuando: "Sabemos que os casos de corrupção têm aumentado e, apesar de a investigação a este tipo de criminalidade ter aumentado, os resultados ficam muito aquém daquilo que se sabe que existe".
Apesar de admitir ter uma "relação institucional excelente" com a ministra da Justiça, notou que Catarina Sarmento e Castro não conseguiu ainda executar as mudanças necessárias ou dar atenção às propostas de alterações apresentadas.
"É uma pessoa de diálogo, tem vontade de alterar a situação e quer resolver os problemas. Mas sinto que há algo que a transcende e que poderá estar a impedi-la de levar a cabo algumas das coisas que gostaria", observou.
Reconhecendo que, apesar dos alertas feitos ao longo do tempo, "nada" de significativo mudou na justiça desde que assumiu a presidência do Supremo, há cerca de dois anos e meio, Henrique Araújo vincou também a necessidade de consagrar a separação do poder judicial do poder político através de uma verdadeira autonomia financeira do Conselho Superior da Magistratura (CSM).
"Quem fornece os meios aos tribunais é o Ministério da Justiça e isto está errado. Tudo deveria estar concentrado no CSM. O Orçamento do Estado deveria atribuir ao CSM uma verba, que este deveria poder supervisionar. Só assim é que se pode falar em completa separação de poderes", destacou.
Por último, o magistrado deixou também reparos à lei da amnistia por causa da vinda do Papa Francisco a Portugal, nomeadamente na questão das infracções disciplinares, como ocorreu entre os juízes, com o CSM a ser obrigado a arquivar nove casos de infracções graves e muito graves. "Esta lei, ao amnistiá-los, apagando essas infracções, está a dar um péssimo sinal à sociedade", sentenciou. Recorde-se que apesar de se destinar apenas a jovens até aos 30 anos de idade, a lei da amnistia perdoou infracções disciplinares a pessoas de todos os escalões etários.