Ainda sem acordo, médicos e Governo voltam a reunir-se na terça-feira
Maratona negocial interrompida às 02h00 de segunda-feira. Manuel Pizarro fala em “aproximação” de posições, mas falta ainda “equilíbrio” entre melhoria das condições de trabalho e necessidades do SNS.
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Ainda não há acordo entre os médicos e o Governo sobre a revisão da grelha salarial e sobre o faseamento e contrapartidas das reduções de horário exigidas pelos profissionais. Pelas 02h00 de segunda-feira, os representantes dos sindicatos e o ministro da Saúde, Manuel Pizarro, suspenderam uma longa reunião iniciada às 16h30 de domingo e marcaram novo encontro para terça-feira.
À saída da reunião, Jorge Roque da Cunha, secretário-geral do Sindicato Independente dos Médicos, criticou a proposta de Governo de actualização do salário base em 5%, recordando que o número está abaixo do valor da inflação e da perda de poder de compra acumulada ao longo dos últimos anos. "Só podemos assinar um acordo que seja compatível com o que os médicos estão à espera", afirmou. Na sexta-feira, os sindicatos incluíram um aumento de 30% na sua lista de três pontos centrais da negociação.
Joana Bordalo e Sá, presidente da Federação Nacional dos Médicos (Fnam), também sublinhou a ausência de acordo sobre grelha salarial, mas assinalou que "houve um compromisso" em relação à redução do horário de trabalho das 40 para as 35 horas semanais e das horas de urgência das 18 para as 12. A dirigente sindical disse no entanto ser necessário "ver os documentos por escrito", e que os médicos aguardam agora por uma "contra-contra-contraproposta" do Ministério da Saúde, que deverá ser formalizada durante o dia de segunda-feira, antes de uma nova reunião na terça.
Por seu turno, Manuel Pizarro falou numa "reunião muito positiva" em que se registou uma "enorme aproximação" entre as posições do Governo e dos sindicatos. No entanto, para o ministro da Saúde, não foi ainda alcançado um "equilíbrio" entre as exigências dos médicos e as necessidades do Serviço Nacional de Saúde.
"A nossa principal preocupação é melhorar a resposta da capacidade assistencial do SNS aos portugueses, e naturalmente que para isso temos de reorganizar o SNS. O SNS é um bem precioso para os portugueses mas precisa de ser reorganizado. Para fazer isso, nós temos de melhorar as condições de trabalho dos profissionais, neste caso dos médicos. Mas também é preciso garantir que essa melhoria das condições de trabalho não se traduz numa diminuição da capacidade de resposta do SNS", declarou esta noite Manuel Pizarro.
Para o ministro, alcançar uma "solução equilibrada exige muito diálogo e muito esforço", e foram dados "passos muito importantes na direcção certa" na reunião desta noite. Pizarro falou na criação de "modelos flexíveis de regime de trabalho que permitam a cada profissional, neste caso a cada médico, fazer as suas escolhas sobre o horário e o modelo de trabalho em que quer exercer a sua actividade no SNS", por oposição a "um modelo de trabalho igual para todos".
"Temos de conseguir, nessa flexibilidade, encontrar as remunerações que sejam adequadas para o esforço que é pedido a cada um", acrescentou.
Questionado sobre a recepção negativa dos sindicatos à proposta de aumento do salário base em 5%, Pizarro respondeu que os aumentos efectivos vão depender dos regimes de trabalho escolhidos pelos profissionais no âmbito do modelo que está a ser negociado. "Em alguns casos os aumentos são até muito superiores a esse porque depende muito do regime de trabalho e de dedicação que as pessoas querem ter ao SNS, sendo compreensível que, havendo regimes diversos de trabalho haja também remunerações diferentes. Este diálogo ainda não está terminado e marcámos uma nova sessão para a próxima terça-feira", disse.
"A minha expectativa é que seja possível fechar um acordo na terça-feira", afirmou.
Maratona negocial em vésperas de Novembro 'dramático'
A reunião tinha começado por volta das 16h30 e prolongou-se pela noite dentro, perante um clima tenso entre Ministério da Saúde e as duas estruturas sindicais – SIM e Fnam – para tentar desfazer um impasse que dura há 18 meses. O encontro desta noite era visto como decisivo, especialmente depois de o director executivo do SNS ter assumido, em entrevista ao PÚBLICO, que sem tréguas na saúde o mês de Novembro poderia ser “dramático”.
Sobre a perspectiva de um mês de Novembro difícil na saúde, Pizarro disse esta noite esperar que o "clima de distensão" observado na reunião com os sindicatos "se estenda aos hospitais".
Em causa está a recusa dos médicos em fazerem mais horas extraordinárias além das 150 anuais a que estão obrigados por lei, o que está a criar limitações na capacidade de resposta de várias urgências no país. Nos primeiros oito meses deste ano, os médicos já realizaram mais de quatro milhões de horas extras.
Na última sexta-feira, os sindicatos médicos apresentaram três pontos centrais, aceitando um processo faseado, para um possível acordo: "reposição do horário semanal de 35 horas para os médicos que assim o desejem"; a "reposição do poder de compra perdido na última década com um aumento transversal de 30% para todos os médicos"; e a "reposição das 12 horas semanais de trabalho no Serviço de Urgência" (que agora está nas 18 horas).
Num novo documento que chegou entretanto aos sindicatos, e a que o PÚBLICO teve acesso, o Ministério da Saúde admitiu a redução progressiva do horário prestado no serviço de urgência de 18 para 12 horas, mas indexado à diminuição da realização de horas extras e do recurso a prestações de serviço, e defendeu que a aplicação das 35 horas semanais não pode contemplar um descanso compensatório com prejuízo do horário de trabalho semanal.
Mas não havia referências relativamente à reivindicação de um aumento salarial transversal para os médicos de 30%, que os sindicatos admitiram poder ser faseado. A proposta que o Ministério da Saúde já tinha apresentado previa um aumento transversal de 5,5%.
À entrada para a reunião, o ministro Manuel Pizarro disse que o Governo estava “muito disponível” para chegar a acordo. “Finalmente, às duas grandes reivindicações dos sindicatos vai dizer sim. Estamos de acordo com isto, mas tem de haver uma compensação. Precisamos do apoio dos sindicatos médicos para reorganizar os serviços de forma que isto não ponha em causa a assistência aos portugueses”, disse.
Acrescentou que não era possível reduzir o horário de trabalho semanal e o horário de trabalho no serviço de urgência “sem ter a garantia absoluta que isso é feito de forma progressiva, conforme o modelo de reorganização dos serviços, para garantir que a qualidade da assistência não fique em causa”. E reforçou que “esse é um compromisso que interessa a ambas as partes”.
Expectativas eram baixas
Mas a expectativa dos sindicatos era baixa. Para Roque da Cunha, do SIM, as exigências colocadas para a redução do horário de trabalho semanal e do horário feito na urgência “não fazem qualquer sentido”. A presidente da Fnam explicou, por seu lado, que para os médicos que já fazem urgência o retorno às 35 horas semanais é feito “à custa do fim do descanso compensatório depois de o médico fazer uma noite, o que coloca os doentes em risco”.
Em relação aos médicos que não fazem urgência, o processo de redução do horário até às 35 horas “iria demorar pelo menos uns cinco ou seis anos”. “E ia estar dependente de métricas e de organização do serviço, por exemplo, do tempo para uma primeira consulta, coisa que não depende do médico”, disse Joana Bordalo e Sá.
Quanto à questão financeira, ainda antes da entrada para a sala, o ministro tinha afirmado que a proposta anteriormente apresentada já superava o reivindicado pelos médicos. Mas por via da aceitação da dedicação plena, com um aumento que poderia chegar aos 49,5%.
Neste regime, os médicos ficam com 40 horas semanais e mais horas extras para os médicos que fazem urgência ou um acréscimo de um período assistencial para os que não fazem, mas com direito a um suplemento de dedicação plena. A que juntavam um suplemento de 500 euros para os médicos que fazem urgência e um aumento salarial transversal para todos de 5,5%.
Durante a reunião, o ministério apresentou mais detalhes sobre a sua proposta, o que levou, segundo as televisões, a uma pausa para que os sindicatos se reunissem para avaliá-la.
Segundo a SIC, um dos pontos introduzidos e que aumentou a tensão entre médicos e Governo foi a possibilidade de a calendarização da redução do horário semanal para as 35 horas e das 18 para as 12 no serviço de urgência, além de um aumento salarial transversal, a fazer de forma faseada, poder ficar dependente de uma avaliação por objectivos de produtividade.