Ajax, em estado de sítio, enfrenta crise do século

O campeão neerlandês perdeu o quarto jogo consecutivo na Liga, caiu para penúltimo. Será a derrocada de um gigante?

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Borna Sosa, do Ajax, é a imagem do desalento do "gigante" neerlandês EPA/OLAF KRAAK
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Desorientado no meio de um deserto de resultados, acumulando derrotas nos últimos dois meses, o Ajax perdeu, neste domingo, por 4-3, em Utrecht (que passou a lanterna vermelha ao Volendam) e desceu mais um degrau rumo ao desconhecido, para evitar o termo abismo na Liga dos Países Baixos.

A um arranque auspicioso, com goleada (4-1) sobre o recém-promovido Heracles Almelo, e ao primeiro sinal de alerta, com o empate (2-2) de Roterdão frente ao Excelsior (15.º em 2022-23), seguiu-se o que pode transformar-se no pesadelo do século XXI, apenas interrompido por nova goleada (1-4) no play-off da Liga Europa, na Bulgária, a 28 de Agosto.

Desde então, especialmente a nível interno, instalou-se uma crise sem precedentes nos últimos 58 anos de existência do detentor de 36 títulos de campeão dos Países Baixos (de que é recordista) e vencedor de 12 troféus da UEFA, com destaque para quatro Taças dos Campeões/Ligas dos Campeões Europeus (1970-71, 1971-72, 1972-73 e 1994-95). Pior arranque de campanha só na época de 1964-65, que terminou com um 13.º lugar entre 16 equipas.

Perante o cenário de cair num escalão inferior, os mais optimistas poderão recomendar calma e alegar os dois jogos em atraso (Volendam e Waalwijk) e a possibilidade de somar os respectivos seis pontos. Assim, de uma assentada, o Ajax saltaria para o meio da tabela classificativa, mesmo que com uma diferença pontual praticamente irrecuperável face ao líder PSV, segunda maior potência do futebol neerlandês, com 24 títulos de campeão... e próximo anfitrião dos “lanceiros” na Eredivisie. Isto, depois de novo compromisso europeu, ante os ingleses do Brighton, que poderá ser um teste à resiliência da equipa de Amesterdão.

Liderança precisa-se

Dada a actual conjuntura e as circunstâncias próprias de um clube desgovernado, muitos garantem que o Ajax é vítima de uma desorganização que ameaça arrastar o clube para uma espiral desastrosa. Quadro agravado pelas saídas do director desportivo Marc Overmars (por enviar mensagens e fotografias impróprias a funcionárias do clube); do director executivo Edwin van der Saar (por razões de saúde) e, mais recentemente, de Sven Mislintat, sucessor de Overmars (dispensado na sequência de uma investigação por conflito de interesses).

Num plantel sem referências, liderança ou sequer a promessa de poder, entre tanta juventude, descobrir uma fornada de jogadores digna da herança deixada por Johan Cruyff constitui barreira demasiado alta para ser ultrapassada com um simples estalar de dedos, levando os mais pragmáticos a recearem o pior num futuro próximo.

Assim, sem grandes ilusões quanto à possível reconquista do título perdido para o Feyenoord, o único motivo de consolação poderia passar pela repetição da história, já que foi no pior ano da história do clube que se estreou Johan Cruyff. Não há, contudo, neste plantel, sinais ou vestígios de tamanho “monstro”, o que num clube essencialmente vendedor também não seria solução a médio prazo. E tempo é algo que o futebol raramente encontra para fundar instituições como o histórico Ajax.

A prova dos efeitos nefastos desta dinâmica, que devora “gigantes” ao ponto de os virar de pernas para o ar, ficou bem patente nos incidentes que marcaram o recente Ajax-Feyenoord (0-4), interrompido por três vezes antes de ser suspenso na sequência do arremesso de tochas para o relvado, quando a equipa de Amesterdão perdia por 0-3.

Marco van Basten, antigo internacional neerlandês, de 58 anos, referência dos Ajacieden na década de 80 do século passado, com 156 golos em 174 partidas com as cores do Ajax (o sexto maior goleador do clube), antes da mudança para o poderoso AC Milan, não poupou os adeptos mais radicais (que ameaçam fazer a Eredivisie refém) e declarou o estado de sítio no futebol dos Países Baixos. Em declarações aos media neerlandeses, Van Basten sugeriu a paralisação do futebol do país.

“Se não formos capazes de nos comportarmos normalmente nos estádios, o melhor será parar”, advogou, revelando a perspectiva de quem teme o agravamento de uma realidade que está directamente dependente dos resultados de uma equipa que precisa urgentemente de uma saída para evitar um problema de proporções imprevisíveis.

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