Misericórdia de Lisboa reclama mais de 1,7 milhões a antigos dirigentes

Adjudicações sob suspeita remontam há uma década. Ex-vogal e uma assessora sua querem ser ilibadas ou beneficiar da suspensão provisória do processo, mas Ministério Público pede ida a julgamento.

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Pedido de indemnização foi deduzido quando ainda era provedor Edmundo Martinho Sebastião Almeida (arquivo)
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A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa pede mais de 1,7 milhões de euros em tribunal a três seus antigos dirigentes que estão acusados de lesar a instituição através de um esquema de adjudicações fraudulentas de bens e serviços.

Parte dos arguidos já militou ou teve cargos no PSD, no PS e no CDS. A administradora responsável pelo pelouro da saúde da instituição entre 2011 e 2019, a social-democrata Helena Lopes da Costa, é suspeita de ter entregado mais de três dezenas e meia de contratos a outro militante do mesmo partido, Fernando Catarino, para o fornecimento do mais variado género de bens, de material médico a equipamentos de ar condicionado, nos primeiros tempos do seu mandato. Este, por seu turno, admitiu já ter criado uma rede de empresas-fantasma para conseguir ultrapassar os valores máximos da contratação pública por ajuste directo.

Para estas empresas trabalhava um socialista que chegou a dirigir a Junta de Freguesia de Alcântara e também a concelhia do PS de Lisboa. Na sequência da acusação de participação económica em negócio e abuso de poder de que foi alvo, juntamente com os outros arguidos do processo, em Janeiro passado, Davide Amado demitiu-se da concelhia. Do rol de dirigentes da Santa Casa aos quais são imputadas responsabilidades criminais fazem ainda parte Paulo Calado e Paes Afonso, sendo este último militante do CDS.

A assessora de Helena Lopes da Costa – que a certa altura iniciou uma relação amorosa com Davide Amado – assegura que foi sempre por indicação da vogal da Misericórdia de Lisboa que indicou para os fornecimentos as empresas de Fernando Catarino. Só que essas indicações eram sempre verbais, porque a social-democrata não usava o computador de serviço, razão pela qual não existem provas dessas ordens, alega a jurista, que o Ministério Público garante, no entanto, ter agido sempre em conluio com a dirigente.

Já Helena Lopes da Costa garantiu vezes sem conta que eram os serviços e não ela quem escolhia as empresas a contratar, nomeadamente um director clínico entretanto falecido. No arranque do debate instrutório que teve lugar esta quinta-feira no Campus da Justiça, em Lisboa, o seu advogado, Rui Patrício, explicou que em muitos dos contratos alegadamente fraudulentos cuja responsabilidade é assacada pela acusação à sua cliente são os nomes de outros funcionários, e não da sua cliente, que surgem nas decisões de adjudicação. “Se isto fosse uma caçada já tinha várias peças à cintura”, comparou, numa referência aos alegados erros do Ministério Público.

“Estas empresas forneciam as diferentes áreas da Santa Casa da Misericórdia, como o pelouro das obras, da responsabilidade do provedor Pedro Santana Lopes, ou o da acção social, e não só a área da saúde. Mas não vejo estas pessoas sentadas no banco dos arguidos”, observou o advogado.

Certo é que algumas das firmas tinham escasso tempo de existência quando foram convidadas pela instituição para efectuarem fornecimentos. Pelo menos num caso a entrega do negócio é alvo de um despacho na Santa Casa antes de a adjudicatária ter sequer "nascido" na conservatória do registo comercial. A sobrevivência de parte destas sociedades dependia em grande medida desta instituição. E houve funcionários a queixarem-se à Polícia Judiciária da má qualidade dos materiais fornecidos e da falta de especialização destas firmas. Uma delas, por exemplo, actuava em áreas de actividade tão distintas como as telecomunicações, os equipamentos médicos e o ramo turístico.

A acusação contabiliza em 1,6 milhões de euros o prejuízo que empresários e dirigentes da Misericórdia terão causado à instituição, com lucros que nalguns negócios atingiram os 200%. E é também este o montante que lhes exige a Santa Casa. O pedido de indemnização cível foi deduzido em Fevereiro passado, quando ainda era provedor Edmundo Martinho, entretanto afastado da instituição pela ministra da Segurança Social antes de terminar o mandato, alegadamente para facilitar a transição para a nova equipa. A sua sucessora no cargo, Ana Jorge, comunicou as irregularidades detectadas na anterior gestão à Procuradoria-Geral da República.

Apesar de o Ministério Público pedir a ida a julgamento de todos os arguidos, os advogados de Helena Lopes da Costa e da sua assessora defendem que as suas clientes devem ser ilibadas ou, em alternativa, beneficiar de uma suspensão provisória do processo, um mecanismo que funciona como uma espécie de perdão para crimes de reduzida ou média gravidade, que pressupõe um grau de culpa diminuto e evita a ida a julgamento. E que neste caso poderá implicar o pagamento de uma elevada soma à Misericórdia por parte dos suspeitos.

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