Alunos de Matosinhos evitaram o carro, mediram o impacto carbónico e foram premiados

Projecto do CEiiA com Escola Secundário João Gonçalves Zarco pôs 70 estudantes a recorrer a outros modos de deslocação e a calcular poupança de emissões. Comissão Europeia premiou iniciativa.

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Projecto decorreu ao longo do último ano lectivo e vai estender-se a escolas de outras cidades. Paulo Pimenta
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Durante um mês, as viagens entre casa e escola de 72 alunos e professores da Escola Secundária João Gonçalves Zarco, em Matosinhos, mudaram. Como parte do projecto-piloto CZarco, desenvolvido pelo CEiiA (Centro de Engenharia e Desenvolvimento de Produto) em parceria com o estabelecimento de ensino, os alunos foram registando os seus esforços para diminuir a pegada carbónica nas deslocações.

“Tínhamos uma aplicação que servia para registar o nosso percurso de casa para a escola e da escola para casa”, começa por explicar Leonor Cunha, que tem 17 anos e está agora no 12º ano. “Precisávamos de internet, seleccionávamos o modo de transporte e clicávamos em iniciar viagem”, conta. Na viagem de regresso, o procedimento era o mesmo.

Estudantes de três turmas fizeram-no ao longo de um mês através da aplicação AYR, desenvolvida pelo CEiiA. O objectivo era contabilizar a poupança de emissões de dióxido de carbono ao ir para a escola a pé, de trotineta, de bicicleta ou de transportes públicos em vez de carro.

No final, somando os esforços, foram poupados 43 quilogramas de dióxido de carbono. Mas o CZarco vale mais pela experiência do que pelo volume das emissões evitadas, explica a investigadora do CEiiA, Lurdes Ferreira, que concebeu o projecto e o está a desenvolver no âmbito da sua tese de doutoramento em alterações climáticas e políticas de desenvolvimento sustentável.

Até porque o grupo era reduzido e o tempo e amostra também foi limitado. Mais do que contabilizar a poupança de emissões em si, sublinha Lurdes Ferreira, a ideia era tornar “tangível um conceito sobre alterações climáticas”. Afirma que, “se os compromissos políticos para a neutralidade carbónica não foram compreensíveis, não fizerem parte da vida das pessoas”, dificilmente serão adoptados também pelas comunidades. “E as cidades só podem ser descarbonizadas através das comunidades e da sua mudança de comportamento”, lembra.

A professora Ana Moura, que também esteve ligada ao projecto na escola, explica que o cálculo final é feito com base no esforço do grupo e não no esforço individual, uma vez que as condições de partida são diferentes. Há alunos que moram a menos de um quilómetro da escola e podem ir a pé, há outros que moram a mais de 30 quilómetros e não têm transporte público disponível para fazer o seu trajecto. Também nem todos tinham acesso a dados móveis. “As dificuldades de mobilidade urbana condicionaram o que queríamos fazer”, menciona.

O CZarco decorreu durante o último ano lectivo, com sessões de capacitação, acompanhamento e monitorização, conta a responsável de políticas e estratégia do CEiiA, Catarina Selada. Diz que o contributo dos alunos foi particularmente importante para ir melhorando a aplicação através da qual os dados de percurso foram validados.

Reconhecimento de Bruxelas

O projecto mereceu a atenção da Comissão Europeia, que lhe atribuiu o prémio EducationForClimate's call for inspiring green education actions 2023, na categoria de inovação digital, anunciado nesta quinta-feira. O CZarco foi a única iniciativa portuguesa entre os nove premiados nas áreas de ensino ao longo da vida, economia social e inovação digital.

No Dia Europeu da Educação para o Clima, a 16 de Novembro, o projecto será em Bruxelas, depois de já ter sido apresentado ao executivo do município de Matosinhos. É que os alunos querem monetizar o valor agregado das emissões de carbono quantificadas pela aplicação e sugeriram à autarquia que esta financiasse projectos verdes relacionados com a escola Gonçalves Zarco.

Também estudante no 12º ano, Mariana Pereira conta que a experiência tornou os participantes mais atentos às condições para andar a pé, de transportes públicos ou de bicicleta. Diz que as linhas dos autocarros Maré, o serviço de transportes públicos de Matosinhos, não respondem a todas as necessidades. Também há a questão de acesso ao passe e da capacidade ou não de o pagar, refere.

Várias das propostas que apresentaram ao município estão relacionadas com mobilidade, mas também com a hipótese de o valor da poupança carbónica se traduzir em entradas gratuitas em equipamentos culturais, exemplifica Leonor.

A última reunião com membros da câmara foi em Junho, mas os estudantes ainda aguardam resposta de um município que até já se comprometeu com a redução em 85% das emissões de carbono até 2030. Este intervalo também dá outra experiência aos jovens, repara Ana Moura: que as respostas dos responsáveis políticos nem sempre são as mais rápidas.

Ao PÚBLICO, fonte oficial da autarquia refere que o CEiiA e a câmara “estão a estudar um formato que permita seriar as melhores propostas dos alunos e consequentemente a atribuição de um montante monetário” para as implementar. Neste ano lectivo, este projecto será alargado a mais escolas de Matosinhos, Porto, Braga e Guimarães, diz Catarina Selada.

Independentemente do que vier a seguir, o CZarco já mudou algumas rotinas dos estudantes que nele participaram. Mariana já se habituou a caminhar para a escola em vez de apanhar boleia com o pai. Leonor diz que a experiência teve “um peso significativo” na alteração da rotina. Começou a andar mais de autocarro e a pé, principalmente. “Foi também por questões ambientais, mas não estamos tão dependentes do carro dos nossos pais”, diz.

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