Violar mulheres é uma táctica de guerra

Torturar mulheres é separar famílias e espalhar o horror nas comunidades. Não é um devaneio dos militares, é uma arma de guerra. Assim é em Israel, assim foi no Ruanda, na Libéria ou no Congo.

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Megafone P3: Violar mulheres é uma táctica de guerra Reuters/JANIS LAIZANS
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Há muitas formas de martirizar uma população. Uma das mais antigas — e mais eficazes é torturar as suas mulheres, com aquilo que há de mais abjecto, miserável e desumano: a violência sexual. Assim nos dita o historial de alguns dos conflitos mais sangrentos da história. Segundo dados de agências da ONU, foram violadas entre 100 mil e 250 mil mulheres e raparigas no genocídio de 1994 no Ruanda, mais de 60 mil mulheres foram violadas durante a guerra civil na Serra Leoa (1991-2002), mais de 40 mil na Libéria e, na República Democrática do Congo, são pelo menos 200 mil as mulheres violadas desde 1996.

Estes são os dados existentes, mas sabemos que o crime de violação é um dos que mais beneficia do silêncio das vítimas/sobreviventes. Muitos dos casos nunca chegam a ser acrescentados às estatísticas, devido ao choque, à vergonha, ao estigma social, ao medo e a tantas questões que aprisionam as mulheres a situações de violência.

Foi no sábado, 7 de Outubro, que o grupo terrorista Hamas bombardeou Israel, deixando centenas de mortos. Logo começaram as buscas por vítimas, sobreviventes, por números e contexto. E era só uma questão de tempo até começar a barbárie de sacrificar mulheres e crianças para desestabilizar famílias, grupos de amigos e para espalhar o horror.

Nos meios de comunicação social, surgem notícias de raparigas israelitas violadas ao lado dos corpos dos seus amigos, de mulheres mortas mutiladas e nuas da cintura para baixo. Um cenário de terror, de redução da mulher a um objecto a ser pisado, a quem é retirada toda e qualquer dignidade.

A violência sexual não é um acaso nem é um devaneio dos soldados é uma táctica de guerra. Recordando alguns relatórios internacionais, encontrei esta frase de Patrick Cammaert, antigo comandante da ONU na operação na República Democrática do Congo: “Num conflito armado, é provavelmente mais perigoso ser mulher do que ser soldado”.

Além do trauma físico, psicológico e emocional deixado pelo acto, o impacto estende-se à comunidade e é aqui que os violadores actuam. Estes actos levam a gravidezes indesejadas, infecções com VIH e outras doenças sexualmente transmissíveis, colocam um enorme estigma nestas mulheres e, na junção de tudo isto, destroem famílias, separam comunidades, aterrorizam a população. O medo da violação deixa as mulheres reféns de homens e das suas ordens insanas.

Também na Guerra da Ucrânia há relatos do uso da violação como forma de espalhar o terror: circulou no início de Janeiro deste ano uma história de soldados russos que tinham violado uma mulher de 22 anos, mãe, abusaram sexualmente do seu marido e obrigaram o casal a ter relações sexuais em frente a eles, antes de violarem a filha de quatro anos. Faltam-me palavras para descrever este cenário.

A violação em contexto de conflito é considerada um crime de guerra, mas é um factor poucas vezes referido nas negociações de paz, por exemplo. Ao longo dos anos, vemos o reconhecimento de vários tribunais internacionais e até algumas acusações a serem feitas, quase sempre sem punição. O impacto arrasta-se no tempo e estende-se por gerações. Vive na mulher abusada e vive naqueles que estão à volta dela.

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