Sete princesas do vinho e uma homenagem a Amália
Amálias 100 é um “blend nacional”, feito por sete produtoras, para comemorar o centenário do nascimento de Amália Rodrigues e, ao mesmo tempo, representar o país. Também é um vinho solidário.
Quando, em 2019, a Fundação Amália desafiou Rita Nabeiro a criar um vinho para comemorar o centenário do nascimento de Amália Rodrigues, a administradora da Adega Mayor, em Campo Maior, no Alentejo, pensou numa coisa diferente. “[O presidente da fundação] sugeriu que fosse um vinho da Adega Mayor, mas para mim não fazia muito sentido”, conta Rita Nabeiro ao Terroir. “A Amália não era apenas alentejana, era uma figura nacional e este projecto poderia ganhar muito mais se pudéssemos pensar um bocadinho fora da caixa e se, de alguma maneira, fizéssemos um blend nacional.”
Foi aí que se lembrou de voltar a juntar as D’Uva — Portugal Wine Girls, um grupo de sete mulheres, todas ligadas ao vinho, em diferentes regiões do país. “Já nos conhecíamos e tínhamos essa diversidade no nosso grupo, que teve origem num artigo que o jornalista Fernando Melo escreveu em 2012 [na revista do Diário de Notícias]”, continua Rita.
Na altura, o jornalista traçava assim o perfil das “princesas do vinho”, como lhes chamava: “aquelas com que podemos e devemos contar para construir a próxima geração vinhateira”. “Foi ele que nos convidou [para o artigo], mas aquilo teve tanto impacto que achámos que podíamos fazer mais alguma coisa juntas”, recorda, por seu turno, a enóloga Catarina Vieira, à frente da Herdade do Rocim, também no Alentejo.
Uns anos mais tarde, em Maio de 2016, criaram o grupo D’Uva, que na altura tinha mais um elemento, Rita Fino, do Monte da Penha. Chegaram a organizar provas de vinho, mas ficaram “com a sensação de que faltava fazer um projecto específico em conjunto”, confessa Rita Nabeiro. O vinho de homenagem a Amália Rodrigues, pelos 100 anos do nascimento da fadista e uma das figuras maiores da cultura portuguesa, parecia a oportunidade perfeita para isso. “Falei com todas em 2019 e todas disseram que sim”, continua.
Além de Catarina Vieira, da Herdade do Rocim, Rita desafiou Francisca van Zeller, da Van Zellers & Co, Maria Manuel Maia, da Poças, Rita Pinto, da Quinta do Pinto, Mafalda Guedes, da Sogrape, e Luísa Amorim, da Quinta Nova.
O resultado dessa colaboração é o Amálias 100, um vinho tinto da colheita de 2020 (o ano do centenário do nascimento de Amália), que as sete lançaram na última quinta-feira. Estagiado em madeira, e com 12 meses de garrafa antes de chegar ao mercado, o vinho é feito com uvas e castas de diferentes zonas do país. “Tem características muito amplas”, comenta Catarina Vieira, a única enóloga num grupo que tem diferentes experiências no sector, da gestão à comunicação, passando pela viticultura.
“Do Douro, traz o volume e a complexidade, do Dão traz a frescura e a elegância, de Lisboa traz a influência Atlântica e, com isso, a mineralidade e a frescura, e do Alentejo pode trazer coisas diferentes, como a longevidade, a intensidade ou a complexidade", explica Catarina.
Cada uma ofereceu uma parte do vinho que constitui o blend — Touriga Nacional (27%), Alicante Bouschet (26%), Alfrocheiro (20%), Touriga Franca (13%), Trincadeira (7%) e Field Blend Vinhas Velhas (7%) —, feito com a ajuda dos enólogos Beatriz Cabral de Almeida (Sogrape), Carlos Rodrigues (Adega Mayor) e Jorge Alves (Quinta Nova Nossa Senhora do Carmo). Com ocupações diferentes no sector do vinho, as sete produtoras também assumiram papéis diferentes na criação do Amálias 100. “Não é só a diversidade de regiões, de estilos e de dimensões das [nossas] empresas”, explica Rita Pinto. “Também temos lugares diferentes, umas mais na enologia, outras mais na viticultura, outras mais na gestão ou na área comercial e isso trouxe diversidade de pontos de vista ao projecto.”
O vinho tem uma edição limitada de 1.920 garrafas Magnum (Amália nasceu no ano de 1920), a 180 euros cada, e todas as receitas revertem na totalidade para a Fundação Amália, que planeia fazer obras de recuperação na Casa-Museu Amália Rodrigues e continuar a apoiar instituições como a Casa do Artista.
O único investimento da fundação foi no engarrafamento do vinho e no jantar de lançamento, quinta-feira, 12 de Outubro, no Teatro Tivoli BBVA, em Lisboa, numa noite que também teve os fadistas Pedro Moutinho e Fábia Rebordão a interpretar canções de Amália.
No discurso público sobre o projecto, Rita Nabeiro explicou o porquê do nome do vinho. “Amálias no plural, [porque somos] as sete mais a Amália”, afirmou. Uma maneira de “reforçar a generosidade das marcas e pessoas envolvidas neste trabalho, sete mulheres que fazem do vinho o seu fado e celebram a vida de Amália através de um blend que simboliza Portugal”.
Ao Terroir, Rita Nabeiro reforça a ideia de este ser um vinho único. “Já houve vinhos que juntaram várias regiões, mas com esta diversidade não. É único e irrepetível.” Catarina Vieira concorda: “É um vinho que tenta representar a Amália, que foi tantas. Este vinho também é tanta coisa que só poderia ter complexidade.”