Número de interrupções de gravidez sobe pela primeira vez desde 2011

Interrupção por vontade da mulher continua a ser a principal razão. Em pelo menos 20% dos casos, quem opta por o fazer tem de esperar mais de cinco dias pela primeira consulta.

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Em 20% dos casos, mulheres esperaram mais de 15 dias para poderem interromper a gravidez Manuel Roberto (arquivo)
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É uma tendência que se tem registado noutros países da União Europeia (UE) e à qual Portugal não fugiu: em 2022, o número de interrupções de gravidez (IG) aumentou, contrariando a diminuição que se registava desde 2011.

Comparando com 2021, o aumento da IG pelas cinco causas previstas na lei foi de 15%, com o aborto por opção da mulher a manter-se como a razão principal. Os prazos previstos na lei para que se realize a primeira consulta no processo de IG ainda não foram cumpridos em pelo menos 20% dos casos.

Os dados constam do relatório da análise dos registos de IG, da Direcção-Geral da Saúde (DGS) e dão conta de que, no ano passado, se realizaram 16.471 IG no país, 96,4% das quais (15.870) realizadas a pedido da mulher. No total, foram mais 2123 do que em 2021, atirando os dados actuais para valores próximos dos registados em 2016, quando o número de IG ascendeu a 16.449. Em 2021, tinha sido anunciada a maior queda destes procedimentos desde 2011.

O relatório não oferece uma explicação para esta mudança, já notada pela Entidade Reguladora da Saúde, referindo, porém, que é uma tendência que se tem verificado noutros países da UE. Olhando para as diferentes variáveis que constam do documento, este é o único dado em que a tendência é claramente diferente do que vinha a acontecer.

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Os restantes elementos apontam para uma situação mais ou menos constante no panorama português. A região de saúde de Lisboa e Vale do Tejo (LVT) mantém-se como aquela com maior registo de IG por todas as razões (58,4% dos procedimentos) e a média de idades das mulheres que a praticam ronda os 28 anos.

Medicamentos no público, cirurgia no privado

No caso das IG por opção da mulher, que representam de longe a maior fatia de todos os procedimentos realizados, 71,5% dos casos envolveram mulheres que nunca tinham recorrido a este método. As instituições de saúde públicas continuam a ser aquelas a que as mulheres que optam pela IG por vontade própria mais recorrem (68,6% dos casos) e aqui mantém-se também a tendência de o método utilizado ser maioritariamente a via medicamentosa (98,9%). No privado, também se mantém a tendência de optar, sobretudo, pela via cirúrgica, o que aconteceu em 95,3% dos casos.

Nas IG por vontade da mulher, a maior parte delas (51%) chegou aos serviços de saúde por iniciativa própria, com o encaminhamento por parte dos cuidados de saúde primários a surgir como a segunda maior representatividade (33%).

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O relatório da DGS destaca, nesta matéria, o facto de em 2022 ter aumentado o número de encaminhamentos destes casos dos hospitais públicos para as unidades de saúde privadas, precisando que esse aumento foi de 6,5%, quando se compara com 2021 – altura em que, por virtude da pandemia, já tinha havido um crescimento destes números.

Olhando para as idades das mulheres que recorrem à IG por todos os motivos previstos, a faixa etária entre os 20 e os 24 anos, com 4056 procedimentos, é a que apresenta mais casos, seguida daquela entre os 24 e os 29 (3847). Se se analisar as razões subjacentes à IG para cada uma das faixas etárias, verifica-se que em todas elas a que indica “por opção da mulher nas primeiras dez semanas de gravidez” aparece como a preponderante.

Ainda sobre a IG por opção da mulher, o relatório diz-nos que 42,2% das que a fizeram viviam em coabitação (uma diminuição de 7,8% ao longo da última década); que a maioria era trabalhadora não qualificada (21,2%), integrava o pessoal administrativo, dos serviços ou similares (17,9%) ou ainda estava a estudar (16%); e que os graus de ensino mais representados eram o secundário (47%) ou o ensino superior (26,3%).

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Em relação à maternidade, 47,7% das mulheres que optaram pela IG não tinham filhos, enquanto 44,6% afirmaram já ter um ou dois descendentes.

O relatório aponta também para um aumento das IG realizadas por mulheres de nacionalidade estrangeira – o que vai ao encontro do aumento de residentes estrangeiros no país –, não se registando diferenças acentuadas entre estas mulheres e as portuguesas no que diz respeito às variáveis das idades com mais procedimentos, região do país onde ocorrem ou a razão apontada. Do total das IG realizadas por vontade da mulher, 28,9% foram efectuadas por mulheres de nacionalidade distinta da portuguesa.

A IG por opção da mulher teve um peso directo na inversão da tendência que se fazia sentir em todos os abortos assistidos, já que fora a sua diminuição que levara à queda dos números, da mesma forma que foi, agora, o seu aumento, que levou à inversão dessa queda, refere a DGS.

Ainda assim, a incidência de IG por mil nados-vivos em Portugal mantém-se abaixo da média europeia, pelo menos comparando com os dados de 2019, que são os últimos conhecidos para a UE. Em 2019, essa incidência era de 209,94. Em 2022, em Portugal, apesar de haver uma subida em relação a 2021 (180,3), a incidência não foi além dos 196,9.

Prazos legais por cumprir em pleno

A resposta dos serviços de saúde à IG por vontade da mulher ainda não está a conseguir responder em pleno às necessidades registadas.

Segundo os dados referidos no relatório, o tempo médio de espera para a primeira consulta referente à IG por opção da mulher foi de 2,2 dias, e em 80% dos casos manteve-se até aos cinco dias previstos por lei. Contudo, houve pelo menos 20% dos casos em que esse tempo de espera ultrapassou os prazos legais, estendendo-se até aos 15 dias.

E diz-se “pelo menos” porque o relatório especifica que “o intervalo de tempo até à primeira consulta (consulta prévia) pode não reflectir o tempo real entre o primeiro momento de procura activa de cuidados por parte da mulher e a referida consulta, uma vez que o registo é efectuado pela unidade que realiza o procedimento e não por aquela que faz o encaminhamento (no caso de esta não realizar IG por opção nas primeiras dez semanas), o que poderá não ser coincidente”. Ou seja, em alguns casos (não se sabe quantos) pode haver um tempo de espera que não está a ser contabilizado.

Passada esta fase, o tempo médio entre a realização dessa consulta e o procedimento propriamente dito é de 6,39 dias, mantendo-se as cerca de sete semanas como a idade gestacional média em que a IG é realizada.

Em Fevereiro, depois de um trabalho do Diário de Notícias que alertava para o incumprimento dos prazos legais para a realização da IG, a Inspecção-Geral das Actividades em Saúde anunciou a abertura de uma “inspecção transversal” às instituições do SNS onde se pode realizar o procedimento, e o ministro da Saúde, Manuel Pizarro, anunciou que os problemas detectados seriam resolvidos em “meia dúzia de semanas”. Os dados do relatório da DGS não apontam nesse sentido.

Apesar de 93% das mulheres que realizaram IG em 2022 por opção terem optado, posteriormente, por utilizar um método contraceptivo, conforme também é referido no relatório, os autores do documento insistem em que é preciso continuar a apostar na educação, informação e acesso aos cuidados. “Importa por isso, por um lado, reforçar os mecanismos que proporcionem um aumento do acesso à contracepção e, por outro, proceder a uma avaliação mais aprofundada das actividades em Planeamento Familiar em Portugal”, recomendam.

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