As anfetaminas também fazem mal ao ambiente

Cada quilograma de anfetamina gera quase 40 quilogramas de resíduos, que são despejados nos solos e na água. Métodos de fabrico têm sido simplificados, aumentando os lucros deste mercado ilícito.

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A Kosmicare é uma organizacão sem fins lucrativos, onde se fazem testes de amostras para analise de droga Nuno Ferreira Santos
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As autoridades europeias estão preocupadas com as consequências do consumo de anfetaminas nos consumidores e no meio ambiente. O Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência (OEDT) e a Europol afirmam que a produção do estimulante sintético mais comum tem vindo a sofisticar-se e a dar a origem a um mercado regular, que movimenta já mais de um bilião de euros todos os anos.

A Europa e o Médio Oriente são as regiões do globo que mais anfetaminas produzem e consomem, com especificidades em cada uma delas. Enquanto, na primeira, aquele estimulante é consumido em pó e pasta, no Médio Oriente é utilizado em forma de comprimidos, que são apresentados como sendo Captagon, mas não o são na verdade.

O Captagon era um medicamento de prescrição médica, proibido na década de 80 por ser altamente viciante, bastante conhecido na região. Países como Síria e Líbano começaram a produzir anfetaminas com aquele nome — as substâncias assemelham-se —, para aproveitarem a sua popularidade, criada graças à euforia e energia que proporciona a quem a toma.

As agências europeias da droga e da cooperação policial publicaram esta segunda-feira uma análise aos processos de produção e de tráfico desta droga sintética, na qual observam que os métodos tradicionais de fabrico têm sido simplificados e sofisticados ao longo dos últimos anos, através da redução do emprego de produtos químicos e de equipamentos. Essa simplificação tem um retorno óbvio: aumenta os lucros.

A evolução deste mercado ilegal tem provocado o surgimento de novos laboratórios. Isto, porque há muitos casos em que o produto final não é finalizado nos laboratórios onde a anfetamina é sintetizada, mas exportada como óleo-base e convertida em sulfato de anfetamina nesses “laboratórios de conversão”. Entre 2019 e 2021, terão sido desmantelados 337 locais de produção ilícita de anfetaminas na União Europeia (UE).

A disseminação destes “laboratórios de conversão” é um dos principais receios da evolução do mercado das anfetaminas. Existem indícios, garantem as duas agências, de que o óleo de base de anfetamina está a ser traficado dos países de origem (Bélgica e Países Baixos) para outros Estados-membros da União. É nestes países, de maior produção, que preço e pureza são mais elevados.

Rita Jorge, perita do OEDT, diz ao PÚBLICO que “a história das anfetaminas é uma história de engenharia química”. Esta química e especialista em anfetaminas explica que a produção destas drogas envolve “operações profissionais, com reactores, tal como em fábricas químicas”. Trata-se, prossegue, de uma indústria com experiência de produção de grandes quantidades, em espaços pequenos e remotos, e com equipamentos apropriados. “Usam um processo-base da química orgânica, o Leuckart”, conclui.

Mais produção, mais potência

Neste contexto, a probabilidade de esta droga, no futuro, vir a ser produzida ainda com maior potência e de a sua produção aumentar com a procura de Captagon na Península Arábica não é de descartar, o que motiva a apreensão das duas agências europeias. Na prática, a expansão do mercado de anfetaminas pode ter um efeito pernicioso na UE, quer na sua produção, quer no tráfico através dos seus principais portos marítimos.

“Embora o seu mercado permaneça relativamente estável, não devemos subestimar o impacto que a droga tem na saúde e segurança dos europeus”, realça Alexis Goosdeel, director do OEDT. As anfetaminas, sublinha, não afectam apenas quem as consome. O seu impacto é grande nas comunidades e a sua produção provoca bastantes danos ambientais, com consequências para a saúde pública. Goosdeel exemplifica: cada quilograma de anfetamina produzida gera quase 40 quilogramas de resíduos químicos, que são despejados nos solos e na água.

Catherine De Bolle, directora executiva da Europol, corrobora: “O mercado de drogas sintéticas movimenta biliões de euros a cada ano e a sua produção está a tornar-se mais sofisticada”. De Bolle acrescenta que as redes de distribuição estão mais inteligentes, as drogas mais prejudiciais e que grandes quantidades de resíduos químicos tóxicos “gerados pela síntese química têm sido libertados na natureza, colocando em perigo a saúde e a segurança pública”.

As agências consideram que é necessário melhorar a troca de informações sobre os meandros da produção e distribuição, para debelar a sua expansão. Isso quer dizer troca de informações operacionais e estratégicas, para orientar intervenções criminais, controlar os fluxos de precursores e produtos químicos essenciais na produção de anfetaminas, que assentam, por vezes, “em estruturas legais, adquiridas ou infiltradas para fins ilegais”.

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