Comissão parlamentar pode indiciar Bolsonaro por tentativa de golpe
As conclusões da comissão parlamentar que investiga a invasão das sedes dos três poderes em Brasília por apoiantes de Bolsonaro vão ser apresentadas esta terça-feira.
A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) que investiga os ataques às sedes do Congresso, Supremo Tribunal Federal (STF) e Palácio do Planalto, a 8 de Janeiro, está na recta final. O relatório vai ser apresentado esta terça-feira e, segundo a imprensa brasileira, irá indiciar o ex-Presidente Jair Bolsonaro por vários crimes.
Ao longo de cinco meses, a comissão chamou a depor alguns dos principais intervenientes do maior ataque ao sistema político desde o fim da ditadura militar no Brasil. A 8 de Janeiro, uma semana depois da tomada de posse de Lula da Silva como Presidente, centenas de apoiantes de Bolsonaro invadiram e vandalizaram os edifícios onde estão sediadas as principais instituições públicas do país.
As cenas de violência foram reminiscentes do ataque ao Capitólio, em Washington D.C., a 6 de Janeiro de 2021, protagonizado por apoiantes do ex-Presidente Donald Trump.
Os trabalhos da comissão ficaram marcados por uma constante disputa política entre os deputados e senadores apoiantes do Governo e a oposição bolsonarista. Mas o principal efeito poderá ser o de complicar ainda mais a situação judicial de Bolsonaro, que já tem o seu nome envolvido numa miríade de investigações e, nos últimos meses, até viu ser declarada a sua inelegibilidade política.
De acordo com vários jornais brasileiros que têm anunciado as conclusões do relatório final da comissão, Bolsonaro deverá ser indiciado por vários crimes ligados aos ataques de 8 de Janeiro, incluindo os de tentativa de abolição do Estado democrático de direito e de deposição de um Governo legitimamente constituído. A defesa de Bolsonaro nega qualquer envolvimento do ex-Presidente em discussões sobre tentativas de golpe de Estado, repetindo o mantra de que o ex-capitão “sempre jogou dentro das quatro linhas da Constituição”.
“A nossa expectativa é de que essa CPMI indicie Jair Bolsonaro, que é o grande articulador de todo um movimento golpista que aconteceu ao longo de quatro anos e que desembocou num acto terrorista contra a democracia”, dizia à CNN Brasil o senador do Partido dos Trabalhadores (PT) Rogério Carvalho, que integra a comissão.
Durante o desenrolar da CPMI, o seu âmbito foi-se alargando, passando a debruçar-se sobre os “actos antidemocráticos” e não apenas sobre os acontecimentos de 8 de Janeiro. Isto aconteceu porque os ataques em Brasília não podem ser compreendidos nem investigados sem se ter em consideração o contexto político e social vivido no Brasil desde a campanha eleitoral de 2022.
Segundo o jornal O Globo, a relatora da comissão, a senadora Eliziane Gama, vai destacar seis acontecimentos que conduziram aos ataques: as operações feitas pela Polícia Rodoviária Federal no dia da segunda volta das eleições (concentradas sobretudo em estados tradicionalmente favoráveis ao PT); a organização de acampamentos de bolsonaristas em frente a vários quartéis do Exército como forma de pressão sobre os militares para que interviessem; uma tentativa de invasão do hotel onde estava Lula, em Brasília; a descoberta de um camião armadilhado com explosivos perto do aeroporto de Brasília, a poucos dias da tomada de posse; e os acontecimentos de 8 de Janeiro.
No entanto, os trabalhos da comissão terminam sem que tenham sido ouvidos alguns dos protagonistas de maior relevo, como o próprio Bolsonaro, ou o ex-ministro da Defesa, o general Walter Braga Netto, assim como o actual ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, como pretendiam os parlamentares da oposição.
O foco em Bolsonaro tornou-se mais forte na sequência do depoimento do seu ex-ajudante de ordens, o tenente-coronel Mauro Cid, à Polícia Federal, em que deu conta de uma reunião após as eleições em que, alegadamente, o então ainda Presidente e outros aliados próximos terão discutido a possibilidade de declarar um estado de sítio para impedir a tomada de posse de Lula.
Bolsonaro demorou vários dias a reconhecer a vitória de Lula da Silva, faltou à cerimónia de tomada de posse e, durante vários meses antes das eleições, divulgou teorias falsas que punham em causa a fiabilidade do sistema de voto electrónico. O próprio Partido Liberal, pelo qual foi candidato, chegou a apresentar uma queixa formal sobre alegadas irregularidades durante as eleições junto do Tribunal Superior Eleitoral, mas que acabou por retirar.
Caso Bolsonaro seja indiciado por crimes ligados ao 8 de Janeiro, será enviado para a Procuradoria-Geral da República um pedido para que seja aberta uma investigação formal ao envolvimento do ex-Presidente, que no dia dos ataques estava nos EUA.