E se o cancro da mama fosse detetado com microondas, em vez de raios X?
Uma deteção mais fiável do cancro da mama, e sem risco, pode ser potenciada pelas microondas aliadas à inteligência artificial. Está-se a preparar a entrada deste sistema em testes em pacientes reais.
O cancro da mama afeta milhões de mulheres em todo o mundo, e Portugal não é exceção. De acordo com a Liga Portuguesa Contra o Cancro, registam-se anualmente mais de 7000 novos casos, e cerca de 1800 mortes. É sabido que o diagnóstico precoce é crucial para a eficácia do tratamento. Por esse motivo, é essencial o acesso ao rastreio, que vai ser alargado dos 45 aos 74 de idade.
O rastreio primário utiliza a mamografia, uma técnica amplamente reconhecida, mas que apresenta alguns inconvenientes. A exposição ao raio-X, radiação ionizante, é um dos aspetos; e a deteção de lesões pode falhar, por exemplo, em mamas com tecido mamário mais denso, comum em mulheres mais jovens. Além disso, a compressão da mama no exame é desconfortável.
Novas tecnologias têm sido estudadas para complementar o método de rastreio tradicional, e assim ajudar a diminuir a taxa de falhas no diagnóstico precoce. Alguns procedimentos recorrem ao uso de radiação não ionizante – as microondas. Estas ondas, já presentes no nosso quotidiano, por exemplo, nos telemóveis, são acessíveis a baixo custo e não apresentam qualquer risco para a saúde.
Com o meu doutoramento, pretendemos avaliar o desempenho deste tipo de sistemas, testando diversas configurações de medida e desenvolvendo novos algoritmos para a geração de imagem da mama e análise dos sinais medidos.
O funcionamento do sistema é simples: o paciente deita-se de barriga para baixo, com a mama pendente numa abertura da marquesa; uma ou mais antenas compactas, dispostas em torno da mama, emitem sinais de microondas e recebemos seus ecos, refletidos pelos diferentes tecidos da mama.
No nosso caso, o procedimento não requer contacto e demora apenas alguns minutos. É produzida uma imagem dos tecidos internos da mama, com recurso a algoritmos de processamento de sinal que temos desenvolvido e aperfeiçoado. Caso haja, é localizada a área com suspeita de lesões.
Ainda estamos a tentar contornar uma das limitações das microondas: a baixa resolução da imagem que dificulta a identificação precisado tipo de lesão. É nesse contexto que introduzimos a inteligência artificial. Os sinais refletidos pelos tecidos da mama contêm uma assinatura distinta consoante o tipo de lesão. Essa diferença não é visível nas imagens, mas, com algoritmos de aprendizagem automática, é possível treinar um modelo matemático, observando muitos casos diagnosticados, até conseguir associar cada assinatura a uma certa lesão e assim identificá-la.
Temos realizado diversos testes das nossas técnicas de medida e algoritmos, em ambiente controlado de laboratório. Recorremos a modelos antropomórficos representativos da mama, e obtivemos resultados bastante promissores. Neste momento, estamos a preparar-nos para ingressar em testes clínicos, para avaliar a viabilidade do nosso sistema com mamas reais (pacientes). Potencialmente, todo este trabalho permitirá estender ainda mais o acesso ao rastreio do cancro da mama realizado em Portugal.
A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico
Estudante de doutoramento do Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa e a fazer investigação no Instituto de Telecomunicações