Julia estudou sem nunca ir à escola e “foi uma vantagem”. Aos 25 anos, já fotografa há dez

Julia Gat e os irmãos cresceram longe da escola tradicional, dos currículos, das avaliações. Khamza khamza khamza, que iniciou na adolescência, traz o retrato da sua vida familiar, no sul de França.

©Julia Gat
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A fotógrafa Julia Gat e os quatro irmãos nasceram e cresceram “numa bolha”, num mundo onde a escola tradicional nunca teve lugar. Unschooling, o método de ensino doméstico que não segue qualquer currículo ou integra qualquer sistema de avaliação, foi o eleito pelos seus pais para os preparar para o mundo. “É um método que tem por base e guia apenas a curiosidade da criança”, explica a fotógrafa de 25 anos ao P3, em entrevista. “Na base desta filosofia está a ideia de que quanto mais a criança se interessa por algo e quanto mais pratica esse interesse, maior será a possibilidade de se profissionalizar nesse domínio.”

Julia começou a fotografar o projecto Khamsa Khamsa Khamsa, presentemente em exposição no Museu D. Diogo de Sousa, ao abrigo dos Encontros da Imagem, em Braga, ainda durante a adolescência, aos 15 anos, altura em que recebeu a sua primeira câmara fotográfica analógica e começou a experimentar utilizar filme fotográfico e os inerentes processos de revelação. No entanto, algumas das imagens em vídeo que recolheu, e que se encontram igualmente em exibição no filme que intitulou Beautiful Day, foram realizadas quando tinha apenas oito anos.

“Sempre houve câmaras em minha casa e, quase sempre, era eu quem brincava com elas.” Os pais de Sara, Jonathan, Michael, Nina e de Julia, a mais velha dos cinco, nunca afastaram os objectos de valor das crianças. “Deixavam-nos usá-los como uma prova de confiança, como uma forma de nos fazerem sentir que nos levavam a sério”, explica Julia Gat. Isso é muito importante na forma como entendem o mundo.”

Khamsa Khamsa Khamsa, que significa “cinco” em árabe, “é repetido três vezes como uma uma espécie de encantamento de protecção”, pode ler-se na sinopse do projecto. “Representa o espaço em que eu e os meus irmãos crescemos, protegidos de qualquer mau-olhado.” As imagens que produziu ao longo dos últimos dez anos descrevem cenas domésticas e familiares da família que emigrou de Israel para França em 2007.

Nos primeiros sete anos de vida dos filhos, o único plano parental foi cobrir cada um de amor e alegria. Nos seguintes, até aos 14 anos, os pais deixaram-nos explorar actividades, buscar conhecimento e desenvolver a vida social; a partir dos 15, o apoio veio na forma de auxílio aos projectos de vida de cada um – no caso de Julia, esse centrou-se na fotografia. "Nós todos aprendemos a ler e a escrever naturalmente, na idade em que isso nos interessou", explica. "E da forma mais adequada a cada um. Os nossos pais estavam lá para nos guiarem e para responder às questões que tínhamos, quando surgiam." O método implica que haja "confiança no processo de aprendizagem natural de cada criança".

Aos 25 anos, com cerca de dez de experiência intensiva no campo da fotografia, Julia já sabe definir o seu estilo, os seus interesses. “Procuro explorar questões relacionadas com liberdade em espaços íntimos, as relações – connosco, com os outros e com a natureza; busco uma perspectiva positiva da realidade que seja impregnada da frescura do encantamento típico da infância pelo mundo.”

A família de Julia é igual a tantas outras e as suas vivências foram marcadas por episódios bons e maus. “Recordo os bons momentos que passei com os meus irmãos e amigos, de apreciar a natureza, de experimentar imensas actividades criativas e de me apaixonar pela luz peculiar que incidia sobre a água do lago que ficava em frente à casa onde crescemos, no sul de França. Lembro também das agruras de viver tão intensamente as dinâmicas que surgem quando se vive em grande proximidade com os irmãos, o divórcio dos meus pais e de abandonar a casa onde cresci depois de 15 anos.”

Com tudo o que viveu, de bom e de mau, Julia decidiu, aos dez anos, “nunca esquecer a sensação de olhar o mundo da perspectiva de uma criança: quando tudo é novo, quando a imaginação se mistura com a realidade e o desconhecido é excitante”. Acredita ser uma felizarda no que concerne a sua educação que recebeu e cita o pedagogo polaco Janusz Korczak para evidenciar o motivo: “As crianças não são as pessoas de amanhã, elas são as pessoas de hoje. Elas têm o direito de serem tratadas com ternura e respeito, como iguais.” Assim, Julia considera que “crescer com este modelo de educação foi uma vantagem”. É isso que tenta transmitir com o projecto: “a importância de dar às crianças uma voz e levá-las a sério”.

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