VMER da Guarda parou por falta de médico e não pôde socorrer turista que morreu

Médico que constitui escalas da viatura médica de emergência da Guarda já fez cerca de 500 horas extraordinárias este ano. Diz que não pode obrigar colegas a integrar escalas na VMER.

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VMER esteve parada entre as 14h00 e as 20h00 de segunda-feira Rui Gaudêncio
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A Viatura Médica de Emergência e Reanimação (VMER) da Guarda esteve inoperacional na segunda-feira à tarde, por falta de médico, e não pôde, por isso, ir socorrer um montanhista inglês de 53 anos que entrou em paragem cardiorrespiratória na serra da Estrela e acabou por morrer.

É um caso paradigmático dos problemas da emergência pré-hospitalar que se fazem sentir com maior acuidade no interior do país. A VMER da Guarda esteve inoperacional entre as 14h00 e as 20h00 desse dia por não haver médico disponível, uma situação que ocorre com alguma frequência.

Foi ao início da tarde de segunda-feira que os Bombeiros Voluntários de Manteigas receberam “um alerta para uma situação de doença súbita num ponto de um percurso pedestre” do concelho de Manteigas, na serra da Estrela, relata o comandante da corporação, Paulo Sequeira.

Quando chegaram ao local, os bombeiros encontraram a “vítima inconsciente, em paragem cardiorrespiratória, sendo necessário iniciar manobras de reanimação”, descreve. “Deu-se a informação ao CODU [Centro de Orientação de Doentes Urgentes], solicitou-se apoio diferenciado, que neste caso não foi possível por indisponibilidade da viatura médica, e, por informação do CODU, seguimos até a unidade de saúde [hospital] da Guarda em manobras de reanimação”.

“É o que por vezes acontece no interior do país”, lamenta o comandante. Ter tido o apoio da VMER teria conduzido a um desfecho diferente? “Não vou conseguir responder a essa pergunta”, afirma o comandante, que nota, ainda assim, que “a presença de médico e de fármacos poderá fazer a diferença em situação de acidente de viação e doença súbita”.

Não foram enviados outros meios porque, explicou a assessoria do Instituto Nacional de Emergência Médica ao PÚBLICO, os que podiam ser accionados em alternativa à viatura médica da Guarda — a ambulância de suporte imediato de vida (SIV) de Seia e a VMER da Covilhã — ficavam “a mais de 40 minutos” de distância.

“Estava muito longe da cidade”

“Não posso obrigar os meus colegas a fazer [integrar escalas na] VMER”, diz Pedro Ventura, que é adjunto de coordenação da viatura médica da Guarda, é internista no hospital da cidade e é o responsável pela definição das escalas. O médico acredita que, neste caso específico, se a viatura da Guarda tivesse ido prestar assistência ao montanhista, não teria havido diferença, uma vez que ele "estava muito longe da cidade, entrou em paragem cardiorrespiratória e chegar ao local, na melhor das hipóteses, demoraria três quartos de hora”.

Lembrou também que o problema da falta de médicos para as escalas da VMER “não é de agora” — “tem anos” — e não é exclusivo da Guarda, apesar de ser mais frequente em terras pequenas como a Guarda. “Este mês temos cerca de 20% dos turnos inoperacionais”, especifica.

Foi por causa da “crise” provocada pelo número crescente de médicos que se mostram indisponíveis para fazer mais horas extraordinárias do que as 150 obrigatórias por ano que isto aconteceu? “Essa questão não é directamente extrapolável para a VMER, porque a escala da viatura funciona à parte, as horas nem sequer contam para estas 150, não há qualquer obrigação de fazer VMER, ao contrário do que acontece nas urgências [hospitalares]. Doze horas das nossas 40 horas [semanais] são obrigatoriamente dadas à urgência”, diz.

Especialista em medicina interna desde há oito anos (tem 38), foi um dos médicos que, no Hospital da Guarda, entregaram a declaração de indisponibilidade para ultrapassar o limite das 150 horas. Não é sindicalizado nem aderiu ao movimento Médicos em Luta que surgiu nas redes sociais e alastrou rapidamente a todo o país. Mas, desde o início deste ano, Pedro calcula que já terá feito cerca de “500 horas extras” e está “cansado”. “As horas que fazemos na VMER não contam [para as 150] e não dão direito a descanso compensatório.”

O que o poderia levar a mudar de ideias e voltar atrás nesta decisão era o retomar da negociação das carreiras que foi interrompido de forma unilateral pelo Governo dia 12 de Setembro. “O dinheiro não é a questão mais importante. Também conta, mas o que conta é sobretudo o facto de continuarmos com muita sobrecarga laboral”, diz Pedro Ventura, cujo salário de base são 1800 euros líquidos.

Esta terça-feira de manhã, a VMER da Guarda voltou a ficar inoperacional por volta das 11h00, desta vez devido a uma avaria relacionada com os travões, que obrigou à substituição por outra viatura que veio do Porto. Ao início da tarde, o problema ficou solucionado.

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