Quero convidar-te a vires comigo a um poema

E se formos antes a uma crónica, aceitas? Fica a caminho e é mais descontraído. Ficamos mais à vontade. Podemos saltar de tema, da actualidade à eternidade.

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Quero convidar-te a vires comigo a um poema.

Amanhã podes?

Prometo que não é daqueles que rima.

Prometo que não é sério.

Não te pedirei que te sentes comigo à beira-rio.

Não teremos todos os sonhos do mundo.

Teremos, no máximo, um sonho.

Vamos embora cedo. Verso livre.

Vais gostar deste poema.

Não tem flores, nem estrelas, nem olhos que brilham.

Prometo que nenhuma borboleta ousará pousar nas imediações do nosso poema.

Terá outras coisas.

Tu a pores os óculos para ler a ementa.

A discussão sobre a preferência de arroz carolino.

As sobrancelhas dos candidatos nos cartazes políticos.

Terá as nossas coisas.

Quando dermos por nós, já lá estamos.

Não é um soneto, não te assustes.

Prometo que não vou ficar obcecada.

Nem contigo, nem com as sílabas.

Prometo que não vou querer voltar atrás quando perceber que ousar e pousar são parecidos e sonoramente incongruentes.

Oh! Prometo não abusar de ti ou das interjeições inflamadas!

Oh! Porque sabe Deus que soam sempre estranhas quando são declamadas!

Mas também não será daqueles poemas dos poetas do Instagram.

Não vai ter trocadilhos com Amar e A mar.

Não vai ser ligeiro.

Mas não vai ser um daqueles poemas com fim sonante.

Prometo que não vai soar pedante.

E eu sei que já tinha prometido não rimar antes.

Oh! É um poema com promessas que não se cumprem.

Não? E se formos antes a uma crónica, aceitas? Fica a caminho e é mais descontraído. Ficamos mais à vontade. Podemos saltar de tema, da actualidade à eternidade. Pode ter o filme da Barbie, ou o primeiro filme em que chorámos. Podemos pegar numa série contemporânea e associá-la de forma rebuscada a Shakespeare.

Podemos lembrar com saudade os nossos avós. Citar Aristóteles, recordar o barulho do isqueiro do meu pai. Pode ter reflexões humanistas, pêssegos, o documentário das mulheres no Afeganistão, a importância das abelhas, o sabor das cervejas, a banalidade do mal. Eu sei, parece estranho mas, quando chegares lá, vais perceber.

Que me dizes?

Só temos de ter cuidado para não nos entusiasmarmos e, no calor do momento, acabarmos num artigo de opinião. Não há necessidade de estragar uma coisa bonita por um clickbait. Mas somos crescidos e conseguimos controlar-nos. É só evitarmos os temas quentes, as estatísticas, a ascensão da extrema-direita, a ideologia de género.

Também não?

Por mim, íamos parar a um romance, a uma trilogia, até mesmo a uma saga sem fim à vista.

Mas, tudo bem, já percebi. Espero por ti num Haiku:

Chegou o Outono.
O gato voltou ao jardim.
Uma mulher escreveu um texto, e espera.

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