Mundial de râguebi: o “jogo perfeito” de Portugal travou no amarelo
A selecção portuguesa perdeu com a Austrália por 34-14, mas voltou a fazer uma grande exibição no Campeonato do Mundo de râguebi.
Se alguém dissesse, antes de o Campeonato do Mundo de râguebi começar, que Portugal iria perder com a Austrália por 20 pontos (34-14) e acabar o jogo com maior domínio territorial (59%) e posse de bola (60%), a reacção mais provável seria receber como resposta um sorriso irónico, tal era a heresia. Porém, neste domingo, em Saint-Étienne, aconteceu mais do que isso. Em mais uma surpreendente exibição portuguesa no França 2023, o “jogo perfeito” que seria necessário os “lobos” fazerem para derrotarem os “wallabies” travou num cartão amarelo: foi durante a exclusão de dez minutos, na primeira parte, de Pedro Bettencourt que a Austrália marcou os três ensaios (21 pontos) que fizeram a diferença final.
A 9 de Setembro de 2007, quando uma equipa treinada por Tomaz Morais e liderada dentro do campo por Vasco Uva entrou no Stade Geoffroy-Guichard, uma das catedrais do futebol francês, a emoção de toda a comitiva portuguesa por pisar um palco de um Mundial ficou na história como um dos momentos mais marcantes do râguebi português. O que se seguiu foi um duelo com a Escócia em que a derrota final foi recebida com lágrimas de alegria. Afinal, a única selecção amadora em prova tinha perdido por apenas 46 pontos (10-56) e tinha alcançado a proeza de marcar um ensaio a um histórico da modalidade.
Mais de 16 anos depois, os “lobos” regressaram a Saint-Étienne e ao “le Chaudron” num Campeonato do Mundo, mas, por total mérito português, a fasquia estava colocada muitos patamares acima. Desta vez, ao fim de dois jogos no Mundial 2023, Portugal tinha uma palavra a dizer no seu grupo. Desta vez, mesmo jogando frente a um dos quatro países que têm no seu currículo o título mundial, Luís Pissarra, adjunto do seleccionador Patrice Lagisquet, tinha colocado na antevisão do duelo com a Austrália as palavras “exibição perfeita” e “perspectiva de vencer” na mesma frase.
Porém, Pissarra, que em 2007 esteve dentro do campo no duelo com os escoceses, também tinha admitido que “no início do torneio” Portugal “talvez pensasse” que o panorama antes “deste jogo seria diferente”. De facto, se os “lobos” têm sido das selecções mais elogiadas no França 2023 pela qualidade do seu jogo, os “wallabies” têm sido das mais criticadas. Isso resultou num encurtar de distância entre as duas equipas que pode ter baralhado o planeamento de Lagisquet.
Numa competição em que a exigência física - principalmente para os avançados - é extrema, seria muito difícil não promover rotação de jogadores no “pack”. E, olhando para as escolhas iniciais portuguesas, o duelo contra os australianos parece ter sido aquele onde o planeamento previa apostar menos fichas: Francisco Fernandes, Stevy Cerqueira, João Granate e Rafael Simões ficaram fora do XV – Anthony Alves também, mas por lesão.
Sem cinco dos oito avançados titulares no jogo de estreia contra o País de Gales, a principal incógnita antes do pontapé de saída era saber como é que Portugal iria comportar-se nas fases estáticas, havendo do outro lado um “pack” australiano com jogadores de qualidade como Slipper, Porecki, McReight ou Valetini.
E, na verdade, o primeiro sinal não foi positivo: aos 4’, os portugueses cometeram uma falta na primeira formação-ordenada, que Donaldson aproveitou para colocar os “wallabies” a vencer, por 3-0. Porém, Portugal não tremeu. Fazendo o que tanto gostam – bola a circular a toda a largura do campo -, os “lobos” começaram a quebrar a defesa australiana e, aos 12’, um grande passe de Appleton deu a possibilidade a Bettencourt de fazer o ensaio. Com muitos australianos a meterem as mãos na cabeça, eram os portugueses que estavam na frente: 7-3.
Portugal estava claramente por cima e a desconfiança parecia apoderar-se (ainda mais) da Austrália. Porém, num piscar de olhos, tudo mudou: dois minutos depois de marcar o ensaio, Bettencourt (contacto na cabeça de um australiano numa placagem) viu um cartão amarelo e deixou os “lobos” reduzidos a 14 jogadores. Era o boost de que os “wallabies” precisavam: em vantagem numérica, os australianos foram implacáveis e, com três ensaios - Richard Arnold (19'), David Porecki (21') e Angus Bell (26') - colocaram-se a vencer, por 24-7.
Com o regresso de Bettencourt, a superioridade australiana voltou a deixar de existir e, em cima do intervalo, Nicolas Martins pisou a linha lateral a meio metro da linha de ensaio, adiando o segundo ensaio português.
A perder por 17 pontos, Portugal voltou para a segunda parte com Rafael Simões, mas seria a Austrália, por Fraser McReight (47'), a chegar ao ensaio de que os “wallabies” precisavam para assegurar o bónus ofensivo e ainda irem para a última jornada com hipóteses matemáticas de apuramento.
No entanto, esta selecção portuguesa não quebra. Sem medo, Portugal aos 60’ ficou a um par de centímetros do ensaio (anulado a Mike Tadjer de forma polémica), mas de forma inteiramente justa, acabou por alcançar mesmo o segundo toque de meta: Rafael Simões, aos 70’.
Embora a Austrália tivesse feito o quinto ensaio logo a seguir, o jogo acabou pouco depois, com os 20 pontos de diferença e uma enorme ovação aos “lobos” no final. Mais uma vez, Portugal tinha conseguido ganhar o respeito e a admiração de todos os adeptos no estádio.