As mulheres sincronizam o ciclo menstrual quando passam muito tempo juntas?

Apesar de, em 1971, um estudo científico sugerir que a menstruação das mulheres que passam muito tempo juntas se possa aproximar ou sincronizar, não é verdade.

Foto
As mulheres sincronizam a menstruação quando passam muito tempo juntas? Polina Zimmerman/Pexels
Ouça este artigo
00:00
04:15

A frase

“A sincronização e a supressão entre um grupo de mulheres que vivem juntas num dormitório universitário sugerem que a interacção social pode ter um forte efeito no ciclo menstrual.”

Martha K. McClintock

O contexto

Esta ideia terá surgido, pela primeira vez, em 1971, quando a revista Nature publicou um estudo da psicóloga norte-americana Martha McClintock, que ficou conhecida pela teoria da sincronização dos ciclos menstruais. Esta teoria, entretanto refutada, transformou-se numa espécie de mito que continua presente em conversas de grupo em diferentes ocasiões.

Uma rápida pesquisa no X (antigo Twitter) permite encontrar uma série de exemplos de publicações que defendem que as mulheres que partilham a mesma casa ou passam muito tempo juntas acabam por se aproximar ou até mesmo sincronizar os ciclos menstruais.

Foto
No X, antigo Twitter, encontram-se várias publicações com esta ideia DR

Mas voltemos a 1971. Com uma amostra de 135 estudantes americanas a viver juntas num dormitório, a investigadora defendeu que as feromonas produzidas pelas mulheres contribuiriam para a sincronização dos ciclos menstruais.

O médico e professor de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa Carlos Calhaz Jorge começa por lembrar que o estudo que terá dado origem a esta ideia foi feito numa Faculdade de Psicologia americana e que “tentou explorar um conceito mais ou menos aceite em algumas espécies animais”. Em comparação, “a nossa espécie é muito mais complicada” em termos fisiológicos, sexuais e psicológicos.

Na mesma linha, a médica interna de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital de Aveiro Maria Oliveira acrescenta: este conceito “foi adoptado pela possibilidade de ser algo que não depende de nós, mas que nos conectava entre mulheres”. “Era mais interessante acreditar que tinha um significado do que aceitar que era uma mera casualidade, uma coincidência”, justifica.

Os factos

Os dois médicos da especialidade de Ginecologia e Obstetrícia ouvidos pelo P3 afirmam que não há evidência científica que comprove a teoria de que as mulheres sincronizam o ciclo menstrual quando passam muito tempo juntas.

Depois de 1971, outros estudos sobre este tema foram publicados, “utilizando técnicas de investigação mais viáveis”, lembra Carlos Calhaz Jorge, fazendo com que a ideia sugerida por Martha McClintock tenha sido “mais do que contrariada, praticamente anulada”.

Aliás, “no estudo inicial já era difícil de entender como sincronização, porque havia uma aproximação descrita das datas de menstruação com intervalos pouco significativos. Ficavam quatro ou cinco dias mais próximos. Isto faz parte da variação biológica normal dos ciclos”, acrescenta o especialista.

Também Maria Oliveira frisa esta variação como algo comum: “O ciclo menstrual tem variações muito diferentes de mulher para mulher em termos do número de dias. Ao longo de um ano, era normal que coincidissem em algumas alturas.”

Ainda sobre a evidência científica, a médica interna adianta que os estudos que se seguiram a 1971 “acabaram por expor as falhas no estudo da Marta McClintock tanto a nível casuístico como analítico”.

Apesar de ter ficado demonstrado que nos humanos o ciclo menstrual não é afectado pela proximidade com outras mulheres, esta ideia continua a circular por vários factores. A vontade de pertencer a um grupo é apontada por Carlos Calhaz Lopes: “É um fenómeno que tem muito que ver com a nossa mentalidade e com a psicologia e que, neste caso, não tem tradução biológica.”

Maria Oliveira argumenta ainda que, sendo um fenómeno visível, as mulheres têm mais tendência a valorizar “quando se apercebem de que a melhor amiga, a vizinha ou a irmã estão a menstruar na mesma altura”. Ou seja, a especialista sugere que este é um tema que só acaba por ser comentado quando, de facto, duas mulheres estão a menstruar em simultâneo. “Quando não estão sincronizadas, nem é um tema de conversa”, frisa.

Em resumo

A ideia de que as mulheres sincronizam os ciclos menstruais quando passam muito tempo juntas surgiu em 1971 e, apesar de continuar a circular nas redes sociais, não é verdade e já foi desmentida por vários estudos científicos. Há inclusive consenso na comunidade científica sobre este tema.

Apesar disto, é verdade que a periodicidade da menstruação não depende exclusivamente de factores biológicos, podendo ser influenciada por factores externos como doenças crónicas, uso de contraceptivos, perturbações alimentares como anorexia ou bulimia, exercício físico intensivo ou níveis de stress elevados, apontam os especialistas.

Sugerir correcção
Comentar