Ministro do Ambiente não apresentou queixa contra activistas climáticas
Acusação dependerá do entendimento do Ministério Público, porque o protesto pode ser enquadrado como crime público ou de ofensa corporal, punível com pena até três anos de prisão.
O ministro do Ambiente e da Acção Climática, Duarte Cordeiro, não quis apresentar queixa-crime contra as activistas do movimento Greve Climática Estudantil que lhe arremessaram ovos contendo tinta verde durante uma conferência. “Tratou-se de um crime de ofensas corporais”, punível com até três anos de prisão, explica o constitucionalista Jorge Bacelar Gouveia. Mas também de “um crime de danos”, porque a roupa do ministro “ficou estragada”, acrescenta.
“Abordado pela PSP após o evento, o ministro do Ambiente não apresentou queixa”, afirma ao PÚBLICO o gabinete de comunicação da tutela, numa resposta enviada por email.
Ao abordar Duarte Cordeiro, a PSP pretendia saber se o ministro desejava apresentar uma queixa-crime contra as activistas climáticas. O responsável pela pasta do Ambiente não o quis fazer, mas isso não significa que as jovens que arremessaram ovos com tinta verde não sejam acusadas. Tudo dependerá do entendimento do Ministério Público relativamente à ocorrência, ou não, de um crime público.
O constitucionalista Jorge Bacelar Gouveia assegura que o ataque ao ministro Duarte Cordeiro é “um crime de ofensas corporais”. “Atirar tinta perturba a integridade física da pessoa, embora não tenha feito sangue ou nódoa negra. Afecta a sua liberdade e integridade corporal”, explica ao PÚBLICO. Este crime pode ser punido com até três anos de prisão, acrescenta.
Além do crime de ofensa corporal, verifica-se ainda “um crime de dano, porque, no limite, a roupa do ministro ficou estragada”, diz.
De acordo com Bacelar Gouveia, nem o facto de o protesto ter sido dirigido a um ministro, nem o facto de ter decorrido num espaço privado agravam o crime. “Um crime só é mais grave se for contra o Presidente da República, mas, em geral, não acontece em relação a um titular de um cargo político”, diz. Além disso, “um crime de dano é um crime seja dentro ou fora de instalações. E, inclusivamente, não houve invasão da propriedade alheia”.
Quanto à organização que dinamizava o evento, pode “queixar-se de dano económico, porque a emissão foi interrompida. Houve uma actividade económica perturbada”, acrescenta o especialista.
“Crimes são suaves”
Na verdade, sintetiza Bacelar Gouveia, “os crimes são suaves”, razão pela qual os cometem: “As pessoas sabem que a pena será mínima. Se é que haverá pena aplicada. Se forem condenados, com certeza será com pena suspensa.” O ganho nestas “iniciativas”, diz, está “no efeito propaganda, que é muitíssimo elevado”.
Em 2019, também num protesto pelo clima, quatro jovens invadiram o palco onde o primeiro-ministro, António Costa, discursava, ao mesmo tempo que aviões de papel voavam pela sala. Três anos depois, o organizador do protesto foi absolvido. Contudo, era acusado de desobediência qualificada, diferindo do ataque a Duarte Cordeiro, que constitui um “caso de foro criminal”.
A manifestação que ocorreu há cerca de duas semanas, em que activistas bloquearam as entradas do local onde iria decorrer o Conselho de Ministros, pode constituir um caso de desobediência civil, diz Bacelar Gouveia. “Não houve crime, mas houve um constrangimento. Houve uma intenção de perturbar o funcionamento normal de uma instituição e não se cumpriu o dever de não perturbar o funcionamento das instituições democráticas”, explica.
“Agravar penas” não é solução
Os activistas “jogam na fronteira da legalidade; têm este estímulo”. “Procuram novas formas de protesto, porque as tradicionais não funcionam: as petições, artigos de opinião, até os órgãos de comunicação”, explica o constitucionalista.
Para Jorge Bacelar Gouveia, a solução passa por adoptar “mais medidas de prevenção” e não por “agravar penas” ou “aumentar a repressão”. Até porque “os políticos têm de ver isto com normalidade”, agindo com tranquilidade, à semelhança do ministro do Ambiente e Acção Climática, elogia.
Segundo declarações à RTP, Duarte Cordeiro não vai pedir reforço de segurança e pretende continuar a participar em eventos da mesma natureza. Após ter sido atingido com tinta durante a conferência promovida pela CNN Portugal na terça-feira, o ministro interrompeu a sessão, trocou de roupa e, ao regressar ao painel, reagiu com humor: “Pelo menos acertaram na cor, que é verde.”
No dia seguinte a Duarte Cordeiro ser atingindo com tinta, foi a vez da fachada da FIL (Feira Internacional de Lisboa). A entrada foi pintada de vermelho, algo que consiste um “crime de dano, que corresponde à destruição do património, neste caso com pinturas”, explica Bacelar Gouveia. O crime é punível com pena até três anos de prisão.
Actualizado às 17h40 com declarações de Bacelar Gouveia