Recuperação das aprendizagens: dois terços dos alunos do 2.º ano tinham dificuldades na leitura

Grupo de Trabalho de acompanhamento do Plano de Recuperação das Aprendizagens debateu dificuldades e desafios criados nas escolas devido à pandemia e resultados e impactos das medidas de recuperação.

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No caso das crianças com melhores desempenhos, com resultados acima da média ou elevados, a percentagem reduz-se a 13% do total Nelson Garrido
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Dois terços dos alunos (66%) que no último ano lectivo frequentavam o 2.º ano de escolaridade tiveram um desempenho na leitura muito baixo ou abaixo da média. É disso que dão conta os resultados preliminares que foram apresentados esta terça-feira em conferência do Grupo de Trabalho de acompanhamento do Plano de Recuperação das Aprendizagens (Plano 21/23 Escola +), no Parlamento.

De acordo com o coordenador do Programa Lexplore +Leitura (uma ferramenta de rastreamento e avaliação de leitura que conjuga a Inteligência Artificial com a tecnologia de rastreio ocular), Alexandre Homem Cristo, no caso do 2.º ano, 19% dos alunos, que participaram no programa, ou não sabiam ler ou tinham muitas dificuldades em leitura. Outros 47% tiveram um desempenho na leitura abaixo da média. No caso das crianças com melhores desempenhos, ou seja, com resultados acima da média ou elevados, a percentagem reduz-se a 13% do total.

A ferramenta de rastreamento de leitura utilizada permite avaliar indicadores como o tempo de fixação, a amplitude sacádica, a frequência de regressão, o número de palavras por minuto e o número de caracteres por minuto.

No caso dos alunos de 4.º ano – os que à data de encerramento das escolas, em 2020, estariam a iniciar o ensino básico –, não se registou um melhor desempenho do que nos de 3.º ano, o que era comum antes da pandemia. "Serão os alunos que foram mais atingidos na capacidade de leitura", explicou Alexandre Homem Cristo. A amostra incluiu 4540 alunos dos 2.º ao 4.º anos escolares de 13 agrupamentos de escolas públicas em Mafra e Cascais.

Com o objectivo de mitigar os eventuais efeitos negativos da suspensão de aulas durante a pandemia de covid-19 em Portugal, que em Março de 2020 levou o Governo a declarar o encerramento das escolas, a tutela lançou, em 2021, o Plano de Recuperação das Aprendizagens. O ministro da Educação, João Costa, prolongou-o, em Abril, até 2024. Uma das mudanças implementadas neste prolongamento, na sequência do fim do programa de fundos comunitários que financiava a operação, foi acabar com a possibilidade de as escolas alargarem os créditos horários (uma espécie de banco de horas que permite às escolas contratar recursos humanos).

Que aprendizagens foram perdidas? "Ninguém sabe ao certo"

Quanto ao trabalho dos últimos três anos, depois de uma auditoria, o Tribunal de Contas (TdC) publicou em Julho último um relatório no qual dava conta de que o plano de recuperação das aprendizagens contou com poucos recursos e a avaliação e monitorização feitas são insuficientes. No documento, o TdC reconhece o reforço de recursos associados ao plano, mas identifica, ainda assim, um conjunto de insuficiências relacionadas com os objectivos, monitorização e financiamento.

E, de facto, sabe-se "pouco sobre os impactos do plano" de recuperação das aprendizagens, defendeu José Matias Alves, da Universidade Católica do Porto. "Que aprendizagens foram perdidas e que aprendizagens ainda estão a ser perdidas? Ninguém sabe ao certo."

"Há evidências com exames e provas de aferição. Creio que estes dados pouco nos dizem, as médias de exames não sofreram alterações significativas, em alguns casos até subiram. Precisamos de saber mais", justificou o especialista.

No painel Resultado e impacto das medidas nas várias áreas, dificuldades e desafios sentidos participaram José Matias Alves, Universidade Católica do Porto; Pedro Freitas, Nova School of Business and Economics; Alexandre Homem Cristo, QIPP / coordenador do Programa Lexplore +Leitura; e Paulo Jorge da Encarnação Silva Bacelar de Macedo, director do Agrupamento de Escolas Templários de Tomar. Já para falar sobre a escola inclusiva no contexto de recuperação de aprendizagens estiveram presentes Joana Rato, Universidade Católica Portuguesa; Sofia Mendes, Universidade Lusíada do Porto; e Marisa Simões Carvalho, Universidade Católica Portuguesa.

Já Pedro Freitas, da Nova School of Business and Economics, referiu a literatura internacional já existente na medição destes impactos, como é o caso do estudo Progress in International Reading Literacy Study (PIRLS), divulgado em Maio deste ano. "O impacto foi de um ano de perdas nas aprendizagens dos alunos", elucidou o especialista e adiantou que "um em cada cinco alunos portugueses têm dificuldades de leitura no 4.º ano".

De acordo com os resultados do PIRLS, os alunos portugueses do 4.º ano de escolaridade estão pior na literacia de leitura. Na avaliação internacional, que em 2021 introduziu pela primeira vez provas em formato digital, Portugal registou uma quebra na leitura nesse domínio (520 pontos) em relação a 2016 (528). Apesar disso, os resultados das provas em papel (531) melhoraram e houve mesmo uma subida no ranking internacional geral — apesar de o número de países contabilizados não ser o mesmo que na última avaliação (43 em 2021 vs. 50 em 2016).

Perante as dificuldades demonstradas, Pedro Freitas defendeu a necessidade de estabilidade nos recursos: "na recuperação de aprendizagens estamos numa maratona, que precisa de recursos estáveis ao longo do tempo".

Uma das críticas dos directores escolares com a mudança para o Plano 23/24 Escola + é precisamente a quebra no reforço dos créditos horários, aplicado nos últimos dois anos. "Percebemos que, no próximo ano lectivo, o plano de aprendizagens vai ter menos recursos, ao nível dos professores. Ou seja, os 3200 professores que foram afectos às escolas públicas nestes últimos dois anos, claro que não vão, se assim posso dizer, continuar no próximo ano de recuperação", criticou ainda em Julho Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas (Andaep). Mas o Ministério da Educação (ME) preferiu privilegiar as medidas que mostraram "maior eficácia" nos últimos dois anos, justificou então o ministro João Costa ao PÚBLICO.

No encerramento da conferência, a coordenadora do Grupo de Trabalho, deputada Cláudia André (PSD), frisou a necessidade de prolongar o plano de recuperação de aprendizagens no tempo, além de o adaptar para o futuro e reforçar os recursos humanos nas escolas. "A recuperação das aprendizagens não está resolvida", rematou.

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