Protestos pelo clima: entre o ataque à democracia e a necessidade de chamar a atenção

Activistas protestaram contra Duarte Cordeiro com tinta. Protestar é um direito “consagrado na Constituição”, diz a advogada Isilda Pegado, mas “a forma de o fazer pode não ser legítima”, admite.

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O ministro do Ambiente e da Acção Climática foi atingindo com tinta durante um evento da CNN Nuno Ferreira Santos
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Ataques com tinta, pneus furados, ocupação de escolas e invasão de edifícios. Os protestos em defesa do clima não são novidade, mas o recurso à violência “belisca” a democracia, defende a advogada e ex-deputada do PSD, Isilda Pegado, e o investigador da Universidade de Coimbra, António Casimiro Ferreira. O activista João Camargo discorda: os protestos só funcionam se tiverem visibilidade, argumenta. Já o deputado do Livre, Rui Tavares, lembra que ambiente e democracia andam de mão dada, um só tem futuro se o outro também tiver.

A manhã desta terça-feira ficou marcada pelo protesto do colectivo Greve Climática Estudantil que atingiu com ovos de tinta o ministro do Ambiente e da Acção Climática, Duarte Cordeiro, feito por duas activistas. “O direito ao protesto é legítimo e está consagrado na Constituição da República Portuguesa”, enquadra a jurista Isilda Pegado. Mas alerta que “a forma de exercer esse direito pode não ser legítima”.

Isilda Pegado diz que no protesto contra o ministro do Ambiente houve “falta de civismo por parte de pessoas que não procuram a paz e que recorreram à violência”. O mesmo defende António Casimiro Ferreira, professor da Faculdade de Economia e investigador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra: “Houve uma situação de violência, conceito que as democracias querem regular.”

O investigador critica o facto de “rejeitarmos a violência da guerra, mas normalizarmos formas de violência como esta”, que se tornam “mais aceitáveis” por aparentarem ser menos “severas”. Estamos a normalizar “formas de actuação que beliscam a democracia”, alerta.

O activista do Climáximo, João Camargo, não se envolveu no protesto desta terça-feira, mas recusa associar a ideia de violência a esta acção: “Não acho que a acção tenha sido violenta. É uma prática há décadas." Para o activista houve apenas "a denúncia de uma paródia", em particular um evento sobre o clima patrocinado pela Galp e EDP.

Em resposta ao jurista Paulo Saragoça Matta, que afirmou ao Observador que este é “um crime público”, o activista argumenta que “as leis e os crimes não têm valor absoluto”. Até porque, lembra, “o apartheid e o holocausto eram legais”.

Visibilidade para impactar

Para Isilda Pegado, o objectivo das jovens que atingiram Duarte Cordeiro era “chamar a atenção e ter cobertura mediática”. O activista João Camargo concorda: “Nenhuma acção tem impacto a não ser que seja vista. Um evento que não é visto é um evento que não acontece.” “O evento tinha de ser interrompido”, afirma.

António Casimiro Ferreira considera que o protesto desta terça-feira e a interrupção da apresentação do livro No meu Bairro, escrito em linguagem inclusiva, na passada sexta-feira, unem-se “pela ameaça de violência, o exercício mais rude e contrário a uma democracia liberal”.

Estes actos, defende, são habituais “em sociedades fragmentadas e polarizadas”, tendo origem, maioritariamente, em “movimentos ligados à extrema-direita ou extrema-esquerda”. Assim, a maior preocupação do académico é que haja “uma generalização da violência” em Portugal, em grande parte após “a introdução e crescimento da extrema-direita no sistema político-partidário”.

Por sua vez, a social-democrata Isilda Pegado teme que haja um aumento da influência dos partidos políticos sobre os jovens activistas, principalmente no que diz respeito à luta pelo clima. Os partidos “usam o ambiente como bandeira para captar votos”, diz, acrescentando que “estes protestos estão muito ligados a partidos de esquerda”. E conclui: “Considero-os vítimas de uma ideologia que, para mim, é excessiva e desregrada.”

Futuro do ambiente depende do futuro da democracia

Sem associar protestos a partidos, o deputado Rui Tavares, diz-se apenas “solidário com a causa” que motivou o protesto desta terça-feira. Após partilhar a sua opinião nas redes sociais, ao PÚBLICO o deputado único do Livre admitiu ter “ouvido as declarações de uma das activistas” e ter “concordado com praticamente tudo”.

Num artigo de opinião publicado ao final da tarde desta terça-feira no PÚBLICO, Matilde Alvim, activista do Greve Climática Estudantil e que esteve presente no protesto, escreve, por exemplo, que os jovens e estudantes têm direito a manifestar-se por verem o seu futuro "ser conscientemente destruído pela falta de planos do Governo e pelos lucros recordes das indústrias fósseis".

Contudo, Rui Tavares discorda do método utilizado. “Se achar que os meus fins justificam todos os meios, estou a justificar que os fins dos outros também justificam todos os meios”, sustenta. Mas está confiante de que a luta pelo clima não será "descredibilizada" depois deste protesto.

Além de Rui Tavares, também o presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, partilhou a sua opinião nas redes sociais, condenando o ataque e criticando a agressão levada a cabo pelas activistas.

Antes deste protesto, os activistas já tinham atraído a atenção do país após se colarem à porta do edifício em que decorria o Conselho de Ministros, esvaziarem pneus de carros SUV, ocuparem escolas, invadirem edifícios e bloquearem o terminal de Sines.

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