Insegurança em Nagorno-Karabakh já levou ao êxodo de 28 mil arménios
EUA e Rússia trocam acusações sobre instabilidade no Cáucaso do Sul. Explosão em depósito de combustível causou pelo menos 125 mortos.
Numa altura em que pelo menos 28 mil pessoas já cruzaram a fronteira de Nagorno-Karabakh com a Arménia, num êxodo que deve crescer nos próximos dias, aumentou também o tom das acusações mútuas entre Estados Unidos e Rússia sobre quem está desestabilizar a região do Cáucaso do Sul, uma semana depois da intervenção militar do Azerbaijão no território que era há três décadas autogovernado de facto pela maioria de origem arménia.
A operação-relâmpago levada a cabo pelo Azerbaijão no dia 19 de Setembro, que resultou na rendição incondicional dos separatistas após um bloqueio de dez meses erguido por Bacu ao único corredor que liga Nagorno-Karabakh à Arménia, aumentou o desgaste nas relações entre Erevan e Moscovo, com o Governo arménio a culpar a Rússia por não ter protegido o território que, ao abrigo da lei internacional, faz parte do Azerbaijão.
Para aumentar o sentimento de insegurança que tem levado à fuga de milhares de residentes com receio de que Bacu possa estar a planear uma limpeza étnica, uma explosão num depósito de combustível terá causado esta terça-feira a morte de pelo menos 125 pessoas, segundo um balanço divulgado pela agência noticiosa azerbaijana Interfax.
As autoridades locais confirmaram para já a morte de 20 pessoas, a que se acrescentam 290 feridos, muitos em estado crítico, após a explosão nas instalações situadas perto da capital regional, Stepanakert, na segunda-feira à noite, mas o número de mortes deverá aumentar, uma vez que dezenas de pessoas estão dadas como desaparecidas.
Depois de a Arménia ter acusado Moscovo de nada ter feito para proteger a população de Nagorno-Karabakh na sequência da intervenção militar do Azerbaijão e, antes, do bloqueio do corredor de Lachin, os Estados Unidos mostraram também a sua preocupação com o destino imediato dos habitantes do território.
“Penso que a Rússia demonstrou que não é um parceiro de segurança em que se possa confiar”, afirmou na segunda-feira Matthew Miller, porta-voz do Departamento de Estado norte-americano.
A resposta às declarações de Miller veio esta terça-feira através do embaixador russo em Washington. “Instamos os EUA a abster-se de palavras e acções extremamente perigosas que conduzem a um aumento artificial do sentimento anti-russo na Arménia", disse Anatoly Antonov na plataforma de mensagens Telegram.
Aos EUA juntaram-se vários aliados ocidentais na condenação às acções do Azerbaijão em Nagorno-Karabakh, que poderão ter o condão de desequilibrar a situação geopolítica no Cáucaso do Sul, uma verdadeira manta de retalhos atravessada por oleodutos e gasodutos e onde a influência é disputada não só pela Rússia e pelos EUA mas também pela Turquia e pelo Irão.
Nos últimos dias, a Rússia tem afirmado que a Arménia só pode culpar-se a si própria pela intervenção vitoriosa do Azerbaijão em Karabakh porque, em vez de trabalhar com Moscovo e Bacu para garantir a paz, resolveu antes aproximar-se do Ocidente.
“Partimos para nos mantermos vivos”
Famílias arménias em fuga, famintas e exaustas, continuavam esta terça-feira, a lotar a estrada que liga o Nagorno-Karabakh à Arménia, com os Estados Unidos e a União Europeia a apelarem ao Azerbaijão que garantisse a protecção dos civis e deixasse entrar a ajuda humanitária no território.
Pelo menos 28 mil dos 120 mil arménios que vivem em Nagorno-Karabakh já atravessaram a fronteira para a Arménia, informaram ao fim da tarde as autoridades de Erevan.
Alguns fugiram em camiões de caixa aberta, outros em tractores. Narine Shakaryan chegou no carro velho do genro, com seis pessoas lá dentro. A viagem de 77 km demorou 24 horas, sem nada para comer, disse.
“Durante todo o percurso, as crianças choravam, tinham fome”, disse Shakaryan à Reuters, na fronteira, carregando a neta de três anos, que, segundo ela, adoeceu durante a viagem. “Partimos para nos mantermos vivos, não para viver”, acrescentou.
A responsável da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID, na sigla em inglês), Samantha Power, esteve esta terça-feira na capital da Arménia e apelou ao Azerbaijão para que “mantenha o cessar-fogo e tome medidas concretas para proteger os direitos dos civis em Nagorno-Karabakh”.
Power, que entregou ao primeiro-ministro arménio, Nikol Pashinyan, uma carta de apoio do Presidente dos EUA, Joe Biden, disse que o uso da força pelo Azerbaijão era inaceitável e que Washington estava a estudar uma resposta adequada. Esta terça-feira, numa conversa telefónica, o Presidente do Azerbaijão, Ilham Aliyev, prometeu ao chefe da diplomacia dos EUA, Antony Blinken, que o seu governo não levaria a cabo mais acções militares no território.