Antes da fama, Boniface caminhou nas trevas da saúde mental

Em quatro anos, o ainda jovem nigeriano já leva para contar duas lesões no joelho e uma depressão, com álcool envolvido. Mesmo assim, é, neste momento, dos jogadores mais entusiasmantes da Europa.

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Boniface em acção pelo Leverkusen. EPA/CHRISTOPHER NEUNDORF
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Em Setembro de 2023, dificilmente alguém faz uma lista de dez potenciais avançados de topo sem incluir Victor Boniface. O nigeriano já leva seis golos em cinco jogos na Bundesliga e bisou, neste domingo, no 4-1 do Bayer Leverkusen sobre o Heidenheim.

Aos 22 anos, estamos a falar de um avançado total – faz um pouco de tudo e dificilmente não será um jogador relevante no plano europeu nos próximos anos, depois de na época passada ter sido, a par de Marcus Rashford, o melhor marcador da Liga Europa, pelo St. Gilloise.

Mas nada disto chegou sem uma descida ao inferno. Apesar de ter apenas 22 anos, Boniface já carrega uma boa dose de quedas ao abismo, quer em problemas físicos, quer mentais.

Quando chegou à Noruega, em 2019, juntou-se à academia do Bodo/Glimt e duas semanas depois lesionou-se nos ligamentos num treino. Foram seis meses de paragem para um jovem de 18 anos sozinho num país novo.

Em 2021, com uma transferência para o Club Brugge em marcha, teve nova lesão ligamentar – e os seis meses foram, dessa vez, o dobro.

Aos 20 anos, a conta pessoal de enfermaria já ia em duas cirurgias aos ligamentos do joelho. Mas recuperou – mais ou menos.

Voltou a jogar, mas enfrentou, depois, a morte da mãe, entrando numa depressão. “Perdi interesse no futebol. Larguei as dietas e comia de tudo. Comecei a viver uma vida normal e só queria estar feliz. Comecei a ir a festas e beber. Geralmente, não bebo, mas comecei a beber porque estava deprimido”, detalhou ao jornalista Ojora Babatunde em 2022.

Faz tudo

Roça a bizarria a forma como em quatro anos já teve três decidas ao inferno, mas mesmo assim tem construído uma carreira de forma consistente.

Marcou golos num bom clube de um campeonato secundário, o Bodo, subiu um pouco o nível para uma Liga ainda secundária, mas num St. Gilloise com Europa, e escalou, no Verão, para um Leverkusen europeu e de uma das “big 5”.

Tudo tem tido lógica no percurso, mas o que não tem tanta lógica é o tipo de jogador que Boniface é. Apesar de ser uma “besta” a nível físico, conjuga a altura e a força com muita velocidade e muito trabalho sem bola. Depois, tem ainda uma técnica bastante razoável com os dois pés e consegue criar futebol a partir do drible e destacar-se no passe.

E o próprio chegou a explicar porquê. “Respeito todos os grandes pontas-de-lança, mas não vejo muitos deles. Mais recentemente comecei a ver alguns, mas até aqui via mais jogadores como Neymar e Ben Arfa. O meu estilo é um pouco diferente porque na Nigéria joguei como 10 e como médio. Ainda vejo jogadores como Cazorla e Iniesta, que jogavam em espaços curtos”, explicou ao site Pulse Sports.

O gráfico em baixo, do The Athletic e da Smarterscout, mostra até a variedade de valências – defensivamente intenso e voluntarioso, ofensivamente forte a progredir com bola e driblar e até um valor interessante de passes progressivos.

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The Athletic

Tudo isto justifica o motivo pelo qual em 22/23 juntou 11 assistências aos 17 golos. É alguém que consegue criar futebol ofensivo e definir com qualidade, não sendo apenas um finalizador, mais um dos muitos que a Nigéria tem actualmente.

Talvez a capacidade de segurar a bola e esperar por apoios seja o único aspecto no qual ainda parece ter carências, até por ser um jogador bastante sôfrego na procura do momento ofensivo do jogo, mais do que da paciência – mas Xabi Alonso, treinador do Leverkusen, nem se importará especialmente com isso, dado que está a criar uma equipa de clara vertigem.

“Ele faz tudo bem”, apontou recentemente o técnico cuja tarimba como jogador levou até Boniface a sentir-se um mero fã quando foi contratado. “Lembro-me de que quando assinei pelo Leverkusen, tive uma reunião com o Xabi Alonso e ele estava a explicar-me tácticas e coisas dessas. Na minha cabeça só pensava “podes só deixar-me tirar uma foto contigo?”. Ele estava a dizer-me os motivos para me ter contratado, mas eu só pensava que aquele homem é uma lenda”, detalhou, sobre um treinador que foi um tremendo médio-centro. E Boniface, como sabemos, gosta bastante disso.

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