Mais de 50 pessoas contestam trasladação de restos mortais de Eça para Lisboa
Os manifestantes garantiram que vão continuar a lutar para que Eça de Queiroz não saia de Baião. Se trasladação acontecer, é uma “perda irreparável”, dizem populares.
Mais de 50 pessoas de Santa Cruz do Douro, em Baião, onde está sepultado Eça de Queiroz, manifestaram-se este domingo contra a trasladação dos restos mortais do escritor para o Panteão Nacional, em Lisboa.
Concentrados junto ao acesso à Fundação Eça de Queiroz, moradores de Santa Cruz do Douro garantiram que vão lutar para que Eça de Queiroz não saia de Baião, no distrito do Porto, porque "Eça é Baião e Baião é Eça", portanto, o "panteão de Eça é em Baião".
"Temos a certeza de que o próprio não aceitaria [a trasladação]", dizia ao microfone o antigo presidente da Junta de Freguesia de Santa Cruz do Douro António Fonseca (PSD/CDS) que, neste momento, integra o grupo de cidadãos que é contra a trasladação para Lisboa.
Dizendo que "Eça representa tanto para Baião", Fonseca considerou que a trasladação prejudica "fortemente" o concelho e, em particular, a freguesia e que é uma "perda irreparável".
O ex-autarca, que liderou a concentração, referiu que a trasladação não é mais do que "um desfile de vaidades", reforçando que Lisboa "em vez de trazer algo para o interior, ainda quer levar o pouco que o interior tem". Questionando "quando é que deixam Eça em paz", Fonseca disse que os cidadãos "não vão baixar os braços", mas sim "lutar até ao fim".
A trasladação dos restos mortais de Eça de Queiroz para o Panteão Nacional, marcada para quarta-feira, visa homenagear o escritor, disse o presidente da fundação com o seu nome, embora o momento esteja comprometido pela oposição de seis familiares.
Opondo-se à trasladação dos restos mortais, aprovada por unanimidade na Assembleia da República a 15 de Janeiro de 2021, Benvinda Cardoso, que tem casa junto ao acesso da fundação, disse à Lusa que diariamente dá indicações a turistas sobre onde fica a fundação e o cemitério. "Vem cá muita gente de fora por causa do Eça, ora isso é muito importante para Santa Cruz do Douro", vincou.
Por isso, acrescentou, se levarem os restos mortais para Lisboa a freguesia vai "perder muito". Dizendo que Eça foi "o melhor escritor português", Cardoso referiu que "ele sempre pertenceu a Santa Cruz do Douro e é aí que deve ficar": "O Eça está aqui há muito tempo, por isso, não tem de sair de onde está", considerou Rosa Pereira, sentada junto a mais quatro vizinhas.
Eça nasceu na Póvoa de Varzim, cresceu ao pé de Aveiro e no Porto e morreu em Paris. Esteve quase 100 anos sepultado em Lisboa, no cemitério do Alto de São João, e foi trasladado para Baião em 1989, quando o jazigo de Lisboa ia ser vendido em hasta pública e, por coincidência, a fundação estava a ser criada no Douro. Eça nunca viveu em Santa Cruz do Douro e só foi duas vezes à quinta, tratar das partilhas da sua mulher. Essas visitas inspiraram Eça a escrever o livro A Cidade e as Serras.
À sombra, e depois de ouvir o discurso do ex-presidente da junta, Rosa Pereira contou à Lusa que quando tem consultas no Porto e os médicos lhe perguntam de onde é e ela diz que vem de Baião eles lhe dizem logo "ah, é da terra do Eça".
Portanto, referiu, Eça traz "muito prestígio a Baião" e turistas.
Já Manuel Nogueira, natural de Baião, mas a viver em Cascais, aproveitou o fim-de-semana para se juntar à contestação por defender que o escritor deve permanecer sepultado onde está, com os seus familiares.
Na entrada do cemitério, onde estão os restos mortais do escritor, foi erguida uma tarja onde se lê "Eça é da Nação. Santa Cruz do Douro é o seu Panteão".
Notícia actualizada às 20h30 para corrigir informação sobre naturalidade de Eça de Queiroz