Viatura de emergência médica de Portalegre esteve inoperacional mais de 700 horas num ano

Regulador da Saúde abriu processo contra-ordenacional na sequência da avaliação ao caso de um bebé de seis dias que morreu em Janeiro de 2022.

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A 27 de Janeiro de 2022, a VMER esteve inoperacional entre as 9 e as 15h40 por falta de médico PAULO RICCA / PUBLICO
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A Entidade Reguladora da Saúde (ERS) determinou ao Hospital de Portalegre que assegure “em permanência” o funcionamento da viatura médica de emergência e reanimação (VMER), na sequência de uma avaliação ao caso de um bebé de seis dias que morreu em Janeiro de 2022. A deliberação da ERS revela que a VMER esteve indisponível naquele dia cerca de sete horas, de um total de 60 em que a viatura esteve inoperacional naquele mês. No espaço de pouco mais de um ano, foram mais de 700 horas de inoperacionalidade.

Na sequência deste caso, o regulador da saúde decidiu também determinar a abertura de um processo contra-ordenacional à Unidade Local de Saúde do Norte Alentejano (ULSNA) por não ter cumprido a obrigação legal de meios. A deliberação, divulgada esta quarta-feira, resulta da análise do caso de um bebé com seis dias que morreu no Hospital de Portalegre, depois de ter entrado em paragem cardiorrespiratória antes da chegada à unidade hospitalar, a 27 de Janeiro de 2022.

Os pais ligaram para o INEM às 9h29, mas apenas a ambulância dos bombeiros voluntários de Portalegre foi enviada para o local, apesar de a situação exigir também um meio de suporte avançado de vida. Nesse dia, a VMER esteve inoperacional entre as 9 e as 15h40 por falta de médico.

Num relato da informação apurada, a ERS refere as conclusões do inquérito aberto pela ULSNA. Segundo a deliberação, o médico perito concluiu que as manobras de reanimação feitas pelos bombeiros e pela médica no hospital encontram-se “dentro das boas leges artis”. O processo de inquérito foi arquivado “por impossibilidade de estabelecer um nexo causal entre a inoperacionalidade da VMER e o desfecho que se verificou”.

Contudo, o perito salienta que, numa situação de emergência, “as probabilidades de sucesso aumentam quanto maior é a especialização na assistência”. “Pese embora a medicina seja uma arte de meios e não de resultados, provavelmente uma entubação orotraqueal do recém-nascido juntamente com a administração de medicação endovenosa adequada poderiam ter dado como resultado a reversão da situação de PCR [paragem cardiorrespiratória]”, referiu ainda.

O que leva o regulador da saúde a considerar que, perante este entendimento, “não foi salvaguardado o direito de G.F. [iniciais do nome do recém-nascido] a uma prestação de cuidados adequada à sua situação e de acordo com a melhor evidência científica disponível e seguindo as boas práticas de qualidade e segurança em saúde”. A ERS salienta que o inquérito não versa sobre esta questão e determinou o enviou a deliberação para o Ministério Público – que na altura do acontecimento anunciou a abertura de um inquérito , para a Ordem dos Médicos, Ministério da Saúde e Direcção Executiva do SNS.

A análise da ERS recai sobre o incumprimento de uma obrigação legal de a ULSNA ter de assegurar a disponibilidade da VMER no Hospital de Portalegre. E sobre essa matéria concluiu que aquele meio não esteve disponível durante o dia do acontecimento cerca de sete horas por falta de médicos. E não foi situação única.

De acordo com a informação facultada pela ULSNA, o que o regulador salienta na deliberação, “logrou-se apurar que a referida VMER, entre Janeiro de 2021 e Fevereiro de 2022, esteve inoperacional num total de 722 horas e 30 minutos, 60 das quais só durante o mês de Janeiro de 2022”. Já em Fevereiro, mês a seguir à morte do bebé, registaram-se nove horas de inoperacionalidade.

Múltiplas razões para a falta de médicos

“Acontece que, no âmbito dos presentes autos, foram trazidas ao conhecimento da ERS múltiplas razões que estarão, alegadamente, na origem daqueles hiatos temporais de inoperacionalidade da VMER” adstrita ao serviço de urgência do Hospital de Portalegre, referindo que por um lado foram “invocadas razões que contendem com a política nacional de saúde e a gestão de recursos (dificuldades na fixação de médicos na zona de influência da ULSNA, o que, segundo alegado, se repercute nos respectivos processos de recrutamento)”.

E, por outro lado, razões relacionadas sobretudo com a gestão hospitalar de recursos, como “constrangimentos decorrentes da crise pandémica, o que terá condicionado o preenchimento das escalas da VMER; a proibição, imposta pelo Conselho de Administração de médicos de Medicina Geral e Familiar cumprirem os períodos na VMER no turno da manhã; a impossibilidade de médicos hospitalares realizarem o turno da manhã na VMER, mais precisamente no período de descanso compensatório, uma vez que os respectivos pagamentos terão sido considerados ilegais” e o valor pago por hora aos profissionais que asseguram a operacionalidade da VMER, “que, alegadamente, será o mais baixo a nível nacional”.

Perante o exposto, a ERS emitiu uma instrução à ULSNA no sentido de esta “assegurar, em permanência, a operacionalidade da Viatura Médica de Emergência e Reanimação (VMER) adstrita ao Serviço de Urgência Médico-Cirúrgica do Hospital Dr. José Maria Grande [Portalegre], ou de qualquer outra VMER cuja operacionalidade deva, nos termos da lei, ser garantida pela Unidade Local de Saúde do Norte Alentejano” e “garantir, em permanência, o direito de acesso dos utentes aos cuidados de saúde adequados à sua situação, com prontidão e no tempo considerado clinicamente aceitável”.

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