Libertados 187 reclusos devido a amnistia a propósito das jornadas mundiais
Número é dos serviços prisionais. Órgão de tutela dos juízes contabiliza 408 processos em que pena se extinguiu mas, em parte destes, reclusos continuam na cadeia a cumprir pena noutro caso.
Os serviços prisionais libertaram 187 reclusos desde o início deste mês até esta segunda-feira, 18 de Setembro, devido à lei da amnistia aprovada pelo Parlamento a propósito da realização da Jornada Mundial da Juventude, no início de Agosto em Portugal.
Isso mesmo adianta a Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais numa resposta enviada ao PÚBLICO: “Entre o dia 1 de Setembro de 2023, data da entrada em vigor da Lei n.º 38 – A de 2 de Agosto, e 18 de Setembro, cumpriram-se 187 mandados de libertação (13 respeitantes a mulheres) de reclusos que, ao abrigo da legislação referida, saíram dos estabelecimentos prisionais.”
O sexo dos beneficiários foi a única informação que os serviços prisionais disponibilizaram para caracterizar este grupo, não especificando dados como a idade média dos reclusos, os tipos de crimes que os levaram à prisão ou as cadeias onde se encontravam.
O Conselho Superior da Magistratura (CSM) fez uma contabilidade diferente, que abarca os reclusos que foram efectivamente libertados e os que poderiam tê-lo sido não fosse o facto de terem pelo menos outra pena de prisão a cumprir no âmbito de um outro processo.
O órgão de tutela dos juízes contabiliza 408 reclusos em que as penas de prisão que estavam a cumprir foram consideradas extintas devido à aplicação da lei da amnistia. Na lista divulgada pelo CSM, a comarca que regista o maior número de beneficiários é a de Lisboa (65), seguida da do Porto (64), de Lisboa Oeste (35), dos Açores (32), de Aveiro (29), de Braga e de Leiria (ambas com 23), Faro (21) e Santarém (20).
Numa nota, o conselho diz serem “residuais” as situações em que os condenados acabam por se manter na cadeia, uma vez que tinham outras penas de prisão para cumprir.
Para tentar perceber a discrepância de números sobre as libertações contabilizadas pelos serviços prisionais e pelo CSM, o PÚBLICO falou com vários juízes-presidentes das 23 comarcas existentes no país. Todos concordaram que a diferença só pode ser explicada pelas situações em que os reclusos se mantiveram na cadeia a cumprir outras penas de prisão.
Contactado novamente pelo PÚBLICO, o CSM reconheceu ter apenas dados de três comarcas sobre os reclusos que não chegaram a ser libertados. Faro que contabiliza 21 beneficiários da lei, seis dos quais não chegaram a deixar a prisão (28%). Leiria que regista 23, mas destes nove mantém-se na cadeia (39%). E Setúbal, em que três dos 13 amnistiados continuam presos, o que representa 23% do total. A comarca dos Açores, contactada pelo PÚBLICO, foi a única que esclareceu que os 32 reclusos reportados ao CSM foram efectivamente libertados até 8 de Setembro, tendo até essa data sido "abrangidos por esta amnistia na região 78 indivíduos".
São realidades diferentes e em casos como o de Leiria estão muito longe de serem residuais. Mesmo assim, não serão ilustrativas da realidade nacional. A crer na convicção de juízes-presidentes de comarcas como Lisboa, Porto, Aveiro e Leiria mais de metade dos reclusos que beneficiaram da lei da amnistia não terão chegado a deixar efectivamente a cadeia.
Diferença entre perdão e amnistia
O diploma apresenta duas vertentes: por um lado, é perdoado um ano de prisão a todas as penas até oito anos; por outro, são amnistiados os crimes cuja pena não seja superior a um ano de prisão ou a 120 dias de multa. A diferença entre as duas figuras é que enquanto a amnistia extingue o procedimento criminal e, no caso de condenação, faz cessar a execução da pena e dos seus efeitos (por exemplo, não há reincidência no caso de uma segunda condenação); o perdão apenas extingue a pena, no todo ou em parte.
Ou seja, a amnistia apaga o crime, fá-lo cair em esquecimento, elimina os seus efeitos jurídicos. Já o perdão, dirige-se só à pena. O perdão faz pressupor a realização do ilícito criminal, mas apaga, total ou parcialmente, os efeitos penais da infracção. Não faz cair o crime em esquecimento, contrariamente à amnistia.
A lei da amnistia abrange “as sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 0h horas de 19 de Junho de 2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto”. Tal não implica, contudo, que actualmente os reclusos tenham até 30 anos, já que os crimes abarcados podem já ter sido praticados há algum tempo. O que obriga é que quando foi praticado o ilícito penal, o arguido tivesse até essa idade.
Além do limite etário, as medidas de clemência excluem um rol de pelo menos 140 crimes, que abarcam não só os chamados crimes graves, como o homicídio, como também o incêndio florestal, a violência doméstica ou a condução em estado de embriaguez, entre muitos outros.
Texto publicado anteriormente substituído pelo actual às 20h30 desta segunda-feira. Inclui números e explicação para o desfasamento entre os dados da Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (informou terem sido libertados 187 reclusos) e do Conselho Superior da Magistratura (indicou que "terão sido libertados" 408). Muitos destes reclusos, porém, continuaram presos à ordem de outros processos.